Porque sou…
… fumadora
“Para alguns, o cigarro actua como uma espécie de gabardina ou protecção solar.” Uma frase bombástica. Gabardina? Protector? Clara explica: “O fumo põe à distância quem interfere no nosso espaço vital, funciona como cortina de protecção, envolve-nos numa substância brumosa que nos separa do outro.” Ao contrário do que se pensa, fumar não é um acto de socialização, como o álcool, que afasta as inibições. “Uma pessoa que está a ter uma discussão consigo ou que está no início de uma relação muitas vezes atira o fumo para a cara do outro para se proteger. É óbvio que isto é completamente inconsciente, esta criação de uma cortina de protecção.”
Para outros, o cigarro tem uma função de chupeta ou consoladora, calando-nos a angústia. E como todas as fumadoras sabem, a nicotina é mais difícil de largar quando há boas razões para manter essa âncora. “Quando precisamos de qualquer coisa para tocar, para sugar, para agarrar, é muito difícil largar esse ‘companheiro’.”
Consequência: Envelhecimento precoce, doenças várias, exclusão de locais onde o vício não é tolerado.
Hipocondríaca
Verdade: “Temos medo de assumir a vontade pessoal, no fundo, uma forma de autonegação. Quanto mais preocupada estiver com as doenças que pode ter, mais legítimo se torna ficar trancada e segura em casa. Pessoas com a crença de que a vida é difícil temem ficar pelo caminho se derem livre curso aos seus instintos, cuja intensidade temem”, nota Clara. “Só estão bem quando tudo lhes corre mal.” Pois. Conheço umas quantas assim. Têm uma enorme ansiedade contida. “Imagine que põe o carro em marcha e não larga o travão: o carro afoga-se nele próprio, porque a sua força motriz contida o leva ao afogamento.” Ahhhhh! Tenho um carro hipocondríaco! Depois percebo que não é nada disso: é só uma metáfora.
Consequência: “Nunca chegam a fazer o set-up completo do seu programa de vida, bloqueiam logo.”
Invejosa
Verdade: Lembro-me de uma definição genial da escritora Margarida Rebelo Pinto, que era qualquer coisa como isto: “Em Portugal, quando se vê alguém a andar de Porsche, as pessoas não querem andar de Porsche também, querem que o outro ande de autocarro.” Clara lembra a importância de uma palavra diabólica: a comparação, mãe de todas as frustrações e sentimentos de inferioridade. “A comparação fomenta a inveja. No nosso mundo, só é valorizado quem fica em primeiro, quem é visto, nem que se tenha de passar por cima ou ao lado dos outros.” Como dizia a Margarida, o invejoso tenta ignorar e desqualificar o outro. São os típicos caras-de-pau, sempre zangados e maldispostos com o mundo. Esta inveja é dirigida ao que o outro possui: podem ser bens – o carro, a casa – ou qualidades físicas ou psicológicas. “Mas tudo o que conquista é amaldiçoado à nascença, porque nada é suficiente.” A inveja envenena quem a possui: “É um verdadeiro atentado às capacidades criativas, porque, enquanto se está nisto, é-se incapaz de criar.” Mas há uma explicação, que pode ser mais prosaica: “Muitas vezes, o invejoso foi um de muitos irmãos que se sentiu rejeitado quando comparado com os outros. A pessoa acaba por criar uma revolta surda porque deseja ser como toda a gente só para ser aceite, e como nunca tem a validação dos pais ou dos irmãos mais velhos, acaba por interiorizar conceitos dos outros: ‘Tu nunca hás-de ser alguém, olha para o teu irmão!’ E isto alimenta um ódio surdo e uma revolta contra os outros.”
Consequência: Quanto mais desqualificar o outro na tentativa de aplacar essa frustração, mais se afunda no seu próprio descrédito.
Forreta
Verdade: “Ser forreta é não dar ao acaso oportunidade para colaborar connosco”, afirma Clara Soares. A frase é tão fantástica que fico um bocado hipnotizada enquanto ela explica o resto: “O hábito de poupar desalmadamente para o caso de um dia faltar tem raízes em experiências de escassez. Mas esta falta pode ser de dinheiro ou de afectos. Aliás, a questão do dinheiro é quase sempre um pretexto que tem por trás outro tipo de carências. Por exemplo, a pessoa que esbanja dinheiro é uma pessoa que de alguma maneira também desqualifica o outro nos afectos, ou se desrespeita a si.” Os Tios Patinhas da vida são aqueles que passam o tempo a dizer coisas como: ‘Não empresto coisas, a minha vida não é um luxo, quem não tem dinheiro não tem vícios.’
Consequência: Um hábito que a certa altura fez sentido pode converter-se num modo de viver muito limitativo. Fecham as portas ao mundo, e acabam por privar-se de momentos e oportunidades preciosos por desconfiança e medo da rejeição.
Obcecada pelas redes sociais
Verdade: Ai meu Deus. O Facebook. Temo que isto caia para o meu lado! Bem, pelo menos ainda não sou ‘addicted’ à Farmville. Mas, ao que parece, o Facebook até pode ser benéfico, se não se transformar numa obsessão. Para que isto aconteça, explica a psicóloga, é preciso haver três factores de risco: factor n.º 1, a sede de aceitação social, factor n.º 2, ligações pouco sólidas no mundo real, e factor n.º 3, propensão à alienação. “A pessoa que não está satisfeita com o seu quotidiano, e não faz nada para mudar, é mais propensa à alienação do que as outras, e se na sua vida pessoal nunca foi de enfrentar os problemas, pior ainda”, esmiúça Clara. “Passar horas distraída com jogos virtuais, num permanente corrupio de actividade, corresponde à obsessão da partilha, de estar sempre ligada, sempre a ser vista, com medo de ser abandonada.” A necessidade de competir também tem aqui um terreno fértil: eu tenho mais amiguinhos do que tu, eu mando mais novidades, eu sou mais desejável. “Se não estiver ali, a receber o espelho dos outros, eu não existo”, explica a psicóloga. Os miúdos, para quem as redes já não são novidade, já lidam com elas de maneira normal. Para outras pessoas, pode ser mais uma ilusão do que verdadeira comunicação.
Consequência: “Acabar perdida e sem saber que direcção tomar.”