Meu Deus, perdoa-me! Perdoa-me o pão com marmelada logo para começar o dia, o bolo-de-arroz a meio da manhã a que não consegui resistir apesar de a Teresa Branco dizer que é inda pior que o pastel de nata, ai perdoa-me também o pastel de nata a meio da tarde a que não consegui resistir porque a Teresa Branco diz que apesar de tudo faz menos mal que o bolo-de-arroz, perdoa-me as seis colheres de açúcar que enfiei para dentro do chá apesar de a nossa editora de beleza dizer que é uma injecção na veia, perdoa-me as bolachas que dizem que são diet mas que é preciso uma aula de body attack para gastar!
Felizmente que, como acontece a todos os pecadores, há um dia em que vêem a Luz. A Luz começou a chegar quando de repente me lembrei de perguntar porquê (não façam isto em casa). De facto, sabemos por que é que estamos apaixonadas por alguém, mas de onde vem a nossa paixão pelo açúcar? Como qualquer crente, fui à minha ‘bíblia’: abri o ‘You – Sempre Jovem’, o manual do Dr. Oz para nos manter na crista da onda até aos 240 anos (pelo menos), e procurei a palavra ‘açúcar’. Foi o princípio do fim.
Começo a aprender
Ora bem: a explicação, como eu já desconfiava, está na Idade da Pedra.
Nessa altura, explica o Dr. Oz, o açúcar, as gorduras e o sal eram raros, e o nosso corpo orientou-se no sentido de os agarrar sempre que passava por eles. Dado que o açúcar sempre foi escasso, desenvolvemos um metabolismo muito eficaz para extrair a máxima quantidade de energia de uma pequena quantidade de glucose. “Isto funcionava muito bem quando não havia mercearias, comida rápida e avós a fazer bolos. E agora? A nossa maquinaria de processamento de energia ainda está engrenada para a vida na Idade da Pedra, ao passo que o nosso sistema de fornecimento de energia é do século XXI.”
Então mas qual é o problema se, em vez de meia-dúzia de amoras quando tropeçávamos numas silvas, comermos quatro bolos-de-arroz todos os dias? “O excesso de açúcar aglutina-se numa mistura xaroposa que reveste os nossos órgãos e cria farpas parecidas com vidro que podem cortar os tecidos e vasos sanguíneos”, explica o Dr. Oz. As feridas provocadas por estas ondas de açúcar levam à inflamação crónica, que esgota as nossas defesas.
Hmmm. Farpas? Já me está a doer. “Uma vez que os nossos corpos são concebidos para funcionar com um nível de glucose baixo – continua o Dr. Oz –, quando comemos demasiado e nos entregamos a um estilo de vida sedentário, ficamos incapazes de processar a glucose em excesso – e o nosso sistema metabólico avaria-se.”
Entro em pânico
Outra recorrente quando se decide mudar de religião: há sempre outros crentes dispostos a levar-nos para o caminho da Verdade.
“Estás interessada no tema do açúcar?”, perguntou-me a Isabel, nossa editora de beleza. “Tenho um livro que vai mudar a tua vida.” Ó Céus! Apesar das farpas a devorarem-me as entranhas, eu ainda não tinha a certeza de querer mudar de vida. Foi pois com desconfiança que abri ‘Sugar Blues’ (mais ou menos ‘O Drama do Açúcar’), um clássico da luta ao açúcar (e da literatura de terror, como vim a descobrir), publicado nos anos 70, da autoria do activista americano William Duffy. Basicamente, Duffy defende que o açúcar é uma droga – mesmo. Compara-o ao ópio e à heroína, e culpa-o de todos os males, desde o acne à peste bubónica. E o mais estranho é que, apesar de ser acima de tudo um genial livro sobre teoria das conspirações, fiquei com a desconfortável sensação de que ele tinha razão.
Mal a história começou e já ele cita um curandeiro japonês que atirou a seguinte bomba: “Confio que a medicina ocidental admitirá um dia aquilo que o Oriente sempre soube: que o açúcar é, sem sombra de dúvida, o assassino n.º 1 na história da Humanidade, muito mais letal do que o ópio e a radioactividade.” Ainda não é o suficiente para largar o bolo-de- -arroz que tenho na mão esquerda, mas confesso que a mão me tremeu durante alguns segundos. Ligo a televisão, mas não ajuda, nem agora nem nos anos 70, como diz Duffy: “Confissões autobiográficas e dramas televisivos adoram alcoólicos e viciados em droga. Mas onde estão as séries sobre os viciados em açúcar? Alguma vez leu um livro ou viu uma peça, filme ou programa de televisão sobre a praga do açúcar no século XX?” Boa pergunta, Will.
Em estudo de choque
Gostam de histórias? Oiçam lá esta sobre cães.
No séc. XIX, um médico francês resolveu fazer uma experiência tétrica: arranjou uns cães e durante uns dias só lhes deu açúcar, azeite e água. Os cães morreram. Conclusão: água lisa pode manter-nos vivos durante algum tempo. Água com açúcar mata–nos. “Comer açúcar é pior do que não comer nada, porque retira ao organismo preciosas vitaminas e minerais através da exigência que a sua digestão, desintoxicação e eliminação causa em todo o nosso sistema”, conclui Duffy.
Se consumirmos açúcar todos os dias, isso produz uma condição permanentemente ácida e são precisos cada vez mais minerais para rectificar o desequilíbrio. Em estados extremos, é retirado tanto cálcio para proteger o sangue que ossos e dentes enfraquecem. “O excesso de açúcar acaba por afectar todos os órgãos. Inicialmente, é armazenado no fígado em forma de glicose. Uma quantidade de açúcar diária acima dos níveis recomendados obriga o fígado a inchar como um balão. Quando atingiu a sua capacidade máxima, o glicogénio é devolvido ao sangue na forma de ácidos gordos. Estes são armazenados nas áreas mais inactivas: barriga, rabo, seios e ancas. Quando estes sítios relativamente inofensivos também já estão cheios, os ácidos gordos começam a afectar órgãos activos, como o coração e os rins. O cérebro é afectado. Os sistemas circulatório e linfático são invadidos e a criação de tecidos torna-se mais lenta. O sistema imunitário torna-se frágil.” E regressamos às farpas do Dr. Oz.
Mudo de vida
Pronto, já percebi! Resolvo de hoje em diante resistir aos bolos-de-arroz.
Problema: o açúcar aparece milhares de vezes em formas encapotadas e sob outros nomes: tudo o que acabe em ose, como sacarose, dextrose, frutose, maltose, xarope de glucose, etc., é açúcar. Não é só o pó branco tirado do pacote que conta, mas tudo o que vem adicionado ao que compramos.
Ao fim de uns dias, estou quase estrábica de tanto ler rótulos. Descubro que, tirando para aí as alfaces e as maçãs, tudo tem açúcar: não é só o óbvio como os chocolates e as bolachas, mas a maioria dos iogurtes, molhos para saladas, molho de tomate industrial, até algumas batatas fritas, pão e sumos. Estou cercada! Curiosamente, largar o vício custa-me menos do que pensava. É verdade que no primeiro dia partiu-se-me o coração a ouvir o bolo-de-arroz chamar por mim, e eu a comer pão com queijo. Mas está a ser mais fácil do que temi.
Não ter açúcar em casa, é básico. Se acha que consome demasiado, não o retire todo de vez, vá por fases. Mas pode ser mais fácil se o retirar todo: descubro que, se não começar a comer, não me apetece tanto. Alguém disse: ‘A tentação do açúcar é como um gato vadio, se se passa a vida a alimentá-la, acaba sempre por voltar.’ É verdade. Miau.
Esteja preparada com armas para resistir quando as visões doces atacarem: proteína e hidratos de carbono lentos, como pão com fiambre magro, podem ajudar. Felizmente que existe o sabor doce na Natureza (atenção que marmelada não é Natureza): como fruta, legumes, cenouras. Pode ajudar ter iogurte e alguns frutos secos para atacar o inimigo. Acima de tudo, tenho cuidado com o que bebo: mais de 46% do açúcar que consumimos vem das bebidas! Junto uma casca de limão à água, ou bebo água com gás (natural). E tento dormir bem: a falta de sono pode levar ao desejo de doces. Se estou mais stressada, tento esquecer que há bolos-de-arroz. Bebo chá verde ou como um quadradinho de chocolate amargo.
Ao fim de uns dias, descubro uma data de sabores dantes camuflados em doce. Não garanto que as bolachas não me tornem a apanhar (não consegui deitá-las fora, confesso!). Não posso dizer que sou uma nova mulher: mas para lá caminho.