Fátima não foi única em termos de fenómeno: em Portugal houve e continuou a haver aparições. Porque é que Fátima vingou?

Fátima vingou porque teve um bispo que soube perceber muito bem o que estava ali a acontecer. O bispo de Leiria era um devoto de Lourdes e Fátima foi muito construída à imagem de Lourdes, já que o bispo percebia muito bem como aquilo funcionava. Foi um visionário: de uma coisa que não era única, porque como disse, em Portugal sempre houve e continuou a haver ‘aparições’ de Nossa Senhora, antes mesmo de ser iniciado o processo diocesano que decidiria se a Igreja deveria ou não aceitar Fátima, já ele estava a comprar terrenos e a construir um santuário.

E numa altura em que a região era deserta…

Não havia nada ali. Por isso as potencialidades eram brutais e Fárima foi uma forma de desenvolver a região. Não sei se o Bispo de Leiria acreditava ou não genuinamente nas aparições, mas percebeu imediatamente que podia criar ali um centro religioso. E numa época de guerra entre o Estado e a Igreja, Fátima também foi ideologicamente útil. Os republicanos, quando atacaram Fátima, esqueceram-se de que Lisboa não era o resto do país, que continuava rural e ligado à Igreja. Portugal era muito mais Fátima do que o país de iluminados que os Republicanos achavam que tinham.

É verdade que na altura das aparições havia 80% de analfabetos em Aljustrel?

De facto eram 88%. E dos que sabiam ler, muitos sabiam apenas ler ‘letra de forma’, ou seja, eram praticamente analfabetos.

É quase comovente reparar que, segundo o primeiro relato das aparições, Lúcia diz que a Senhora a mandou aprender a ler.

Foi precisamente uma das coisas que mais me impressionou quando estava a escrever o livro. Quando comecei a investigação, sabia muito pouco sobre Fátima, e toda a pesquisa foi como contar a história a mim própria. E uma das primeiras coisas que pensei foi “a criança queria era aprender a ler! Tinha sido tão fácil mandá-la à escola!” (risos)

Que mais a impressionou durante a investigação?

Como já disse, impressionou-me muito a atuação do bispo em todo o processo, o facto de mandar fazer o santuário ainda antes de a Igreja se ter pronunciado sobre o assunto. Não discuto as aparições, mas houve de facto todo o um processo de construção, de querer transformar Fátima no que é hoje. A segunda coisa que me impressionou muitíssimo foi a forma como Lúcia descreve os sacrifícios que as crianças ofereciam. Não comer, não beber, não brincar, isso a mim chocou-me muito. Não tinha a noção de que a religiosidade de Fátima apelava às pessoas daquela maneira. Claro que tudo isto podia ter sido inventado, mas chocou-me de qualquer maneira este modelo de religião. Que Deus é este que impõe sacrifícios às crianças?

Lúcia acreditaria mesmo nas suas visões ou viveu uma mentira a vida toda?

Nunca saberemos. Mas a Lúcia é uma personagem fascinante. Fiquei com a ideia de que era uma miúda muito esperta, mas uma pessoa que vive em situação de clausura durante uma tão grande parte da sua vida deve ter ficado afectada de alguma maneira. O imaginário dela era aquele e o mundo deles mudou completamente. Atenção que os ‘pastorinhos’ não eram propriamente pobres, não passavam fome, mas só conheciam aquela terra e não conheciam mais nada. E de repente recebem muita atenção, levam-nos a passear, a andar de automóvel, dão-lhes presentes, e a vida deles mudou. Mas era Lúcia a personagem principal. O Francisco sempre disse que não ouvia coisa nenhuma, e a Jacinta dizia sempre ‘A Lúcia é que sabe’.

A mensagem de Fátima foi mudando muito ao longo do tempo…

Sim, foi sendo adaptada cronologicamente à medida dos acontecimentos. O que era Fátima em 1917? Era uma Senhora que dizia ‘Rezem o terço, sejam bonzinhos e voltem cá para o mês que vem’. Em 1917, Fátima era isto e não era mais nada. Diz que na última aparição vai anunciar qualquer coisa realmente importante, e o que é que ela diz em Outubro? Uma profecia totalmente falhada: que a guerra acaba nesse dia. O que está claro que não aconteceu. Toda aquela história da Rússia, dos segredos, da previsão da morte do Papa, tudo isso veio depois.

E os fenómenos do sol?

As pessoas vêem o que querem ver. O que era mais fantástico era presenciar o fenómeno da religiosidade de um povo.

Fátima é o reflexo de Portugal?

Fátima cresceu sempre interligada com a nossa história. A mensagem foi sendo sempre muito adaptada à realidade política do país.

Porque é que temos necessidade de acreditar em Fátima?

Porque as pessoas têm sempre necessidade de acreditar em algo superior que as ajude. Eu já fui a Fátima algumas vezes e nunca senti nada, mas há quem se emocione, isso tem a ver com a fé de cada um, e é otimo desde que não tenha aquela componente do sacrifício, que a mim pessoalmente me choca. A mim custa-me a aceitar um Deus que exija sofrimento, para mim a religião passa muito mais pelos Evangelhos do que pela imagem do deus vingativo do Velho Testamento. Mas acreditar em alguma coisa, desde que faça bem às pessoas, é bom.

Pode-se ser um bom católico sem acreditar em Fátima?

Totalmente. Como dizem algumas vozes dentro da Igreja, o dogma já terminou, ou seja, não há ‘mensagens’, o que havia para anunciar já foi anunciado. E o não acreditar nestas aparições particulares não quer dizer que se seja um mau católico.

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