Jodi Cobb já viajou por mais de 60 países a fotografar cenários tão distintos como a escravatura moderna, a vida das gueixas japonesas ou das mulheres na Arábia Saudita.
Com uma carreira que atravessa já três décadas ao serviço da fotografia, cumprimenta certos trabalhos como “velhos amigas” antes de os voltar a esquecer. Sem nunca pôr de parte um sorriso que parece não desvanecer e a voz sábia de quem já viu o melhor e o pior do mundo.
Foi uma pioneira. Primeira mulher a ganhar a distinção de Fotógrafa do Ano da Casa Branca, das primeiras a fotografar a China depois de abrir as fronteiras, a capturar a vida das gueixas japonesas e mulheres na Arábia Saudita… Como mulher, foi um desafio penetrar realidades tão diferentes?
E se tivesse que apontar o maior obstáculo que já enfrentou na sua carreira?
O medo. O medo de tudo. De falhar, de comida estranha [risos], de acidentes de automóvel… Tudo o que podia correr mal estava sempre no meu pensamento. Não houve um medo particular, só um vago. Mas quando quero mesmo uma fotografia, não temo pela minha segurança. Nem penso nisso, só que quero aquela fotografia, que preciso dela e que tenho de ir daqui para ali para a conseguir.
Falemos das gueixas. O seu livro, que levanta o véu a uma realidade quase impenetrável, chegou a ser nomeado para um prémio Pulitzer. Viu beleza, arte e sonhos, mas também dificuldades. Pode um fotógrafo combinar todas estas coisas sem inevitavelmente as sentir como suas? Teve de se desligar das situações ou mergulhou nelas?
Foi interessante porque não falava japonês. Não tinha sempre um intérprete comigo, porque não tinha dinheiro para isso. Houve tantas situações em que simplesmente estava lá, e tentávamos falar por linguagem gestual. Rapidamente nos cansámos disso e elas simplesmente resumiram o seu quotidiano. Eu ficava em segundo plano a fotografá-las. O que foi fantástico, porque se elas estivessem sempre a falar comigo, teria sido uma situação completamente diferente, muito mais difícil.
Não sabia as histórias delas, mas no fim do trabalho, como já tinha passado tanto tempo com elas, levei comigo um intérprete e um gravador, e pedi-lhes as histórias de vida. Foram entrevistas longas e intensas. E foi como se tivessem estado à espera este tempo todo para me contarem as suas histórias.
Vamos até ao espaço. Se não me engano, a sua fotografia Fallen Leaves está dentro da sonda espacial Voyager. Se a humanidade se extinguir, fará parte da marca eterna que deixámos no universo. Como é que isto a faz sentir?
Muito do seu trabalho alcançou uma grande notoriedade. A parceria como um meio de renome como o National Geographic deve ter sido também um benefício. Houve algum trabalho que tenha ficado injustamente nas sombras? Que devesse ter tido mais visibilidade?
O projeto sobre a escravatura no século XXI. Apareceu na revista, mas dediquei-lhe um ano. E pareceu-me tão importante e tão intenso que tentei que o publicassem como um livro. Mas não consegui que nenhuma editora o publicasse. Disseram-me que era demasiado deprimente, e que não iam conseguir encontrar ninguém que pagasse tanto por um grande livro fotográfico sobre miséria. É uma forma empresarial de olhar para o assunto.
Do Japão à China, da Papua Nova Guiné a Veneza… Já viajou pelo globo a fotografar alegria, tristeza, e tantas outras emoções. Sente que está melhor equipada para pintar um mosaico mais completo da experiência humana?
[Pausa] Acho que vi um pouco de tudo. Já não consigo fazer generalizações. Porque há pessoas diferentes onde quer que eu vá. Há pessoas maravilhosas e maléficas em todos os lugares. Todas as culturas fazem o seu caminho, mas há uma humanidade básica em todos. As pessoas, geralmente, querem a mesma coisa. Só têm diferentes histórias, tradições e situações com que têm de lidar. Para mim é interessante ver o progresso de certas culturas, ao longo de todos os anos em que fui fotografando o que mudou, o que permaneceu…
Diz que chegou tarde à idade digital. Tem algum conselho para jovens fotógrafos? Têm vantagens incomparáveis às que tinha quando começou?
Sim, nem fazem ideia de quão fácil é agora. Quer dizer, não havia foco automático, exposição automática… Nem sequer fotómetro. Era muito difícil ser um bom fotógrafo. Agora é fácil ser um fotógrafo, mas acho que é muito mais difícil ser um bom fotógrafo, ou mesmo um fotógrafo excelente. Uma das maiores diferenças que vejo entre quem começou já com a fotografia digital e quem começou antes é que agora, levantam a câmara, tiram uma fotografia, olham para ela e vão-se embora.
Com a fotografia analógica, nunca sabíamos se a fotografia tinha ficado bem. Esforçávamo-nos, dançávamos à volta da situação, a tentar arranjar ângulos diferentes, uma luz diferente… Nunca pensávamos que tínhamos conseguido a fotografia. Agora, os fotógrafos digitais nativos olham para aquilo e acham que têm uma fotografia. Têm uma imagem, mas pode não ser a melhor fotografia. Gostava que se esforçassem mais em cada situação.
Imagino que esta pergunta não seja fácil para uma fotógrafa, mas existe alguma foto especial que mantém perto do coração?
Pode dar um exemplo?
Estou a pensar na fotografia dos lábios da gueixa. Tirei-a muito cedo na minha carreira e tornou-se icónica, de certa forma. Porque, por causa dela, a Kodak deu-me uma bolsa para fotografar um livro inteiro sobre as gueixas. Tirei-a quando só tinha 24 horas para estar com elas. Surgiram tantas coisas boas por causa dessa fotografia que tenho que lhe agradecer.
Disse em entrevistas e nesta cimeira que ainda carrega um lema do seu irmão: “o que posso fazer que nunca tenha feito antes? “. Tenho de lhe perguntar: o que se segue para a Jodi Cobb? Há algum projeto especial no forno?
Estou a trabalhar no meu livro de retrospetivas. Estou a editar 40 anos de fotografias.
Deve ser um trabalho árduo…
É tão difícil e estou tão cansada disto. Parece que nunca mais acaba. É aí que estou agora. Mas foi fascinante rever todas aquelas fotografias iniciais, de sítios que eu podia jurar que nunca fui.
E algumas de todos estes projetos de que temos falado?
Alguma vez largou a câmara para ajudar alguém? Disse nesta cimeira que uma pessoa sozinha não consegue fazer muito nessas situações… Alguma vez interviu pela urgência da situação?
Em situações de vida ou morte, sim. Já puxei pessoas do meio do trânsito… Não me lembro de um exemplo em particular, mas claro que agiria de forma humana antes de fotografar. Não gosto de fotografar pessoas em circunstâncias terríveis. Mesmo na história sobre a escravatura, tentei que as vítimas mantivessem uma certa humanidade.
Não queria vitimizá-las de novo, nem que parecessem horríveis. Queria que quem visse as fotografias respondesse à situação, que houvesse atração pelas vítimas de forma a que não virassem as costas ao horror. Que tentassem pôr-se no lugar daquelas pessoas e por isso decidissem agir.
Começou a fotografar porque “queria mudar o mundo”. Depois de todos estes anos, sente que o fez, de alguma forma? E o significado da fotografia, mudou de alguma forma para si?
Deve ter criado muitas ligações… Ainda mantém o contato com muitas das pessoas que fotografou?
Sim, por todo o mundo. Há quem esteja neste momento à espera de uma carta minha [risos]. É impossível manter-me a par de toda a gente… Quando comecei a rever todas as fotografias, dei por mim a pensar no que teria acontecido a determinada pessoa. E tentava encontrá-la, ver por onde andava. É muito interessante voltar atrás e encontrar essas pessoas.