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*artigo publicado originalmente na revista ACTIVA de junho de 2018

Às vezes, como dizia Platão, os números governam mesmo o mundo. Ora então, para começar, vejam lá alguns números: segundo a OCDE, Portugal é o país europeu com maior taxa de mães trabalhadoras (68%). Também é o segundo país com a pior taxa de natalidade (não admira). E apenas 60% das empresas oferecem às recém-mães alguma flexibilidade de horários (e isto em teoria, segundo um estudo da consultora Mercer). Também é o país onde as mães voltam mais rapidamente ao trabalho (150 dias de licença, versus, por exemplo, os dois anos da Noruega).
Conclusão que a esmagadora maioria das recém-mães já tirou mesmo sem números nenhuns: voltar ao trabalho depois de se ter um bebé pode não ser a paz que esperávamos (ahhhhhhh, finalmente 6 horas sem ouvir alguém gritar!).
Para quem já tem uma carreira ativa, com muito trabalho e investimento de estudos, de horas e de esforço, parar pode trazer vários ‘fantasmas’: e se perdi capacidades? E se não volto a ter a posição que tinha? E se depois não consigo manter o mesmo ritmo, manter a mesma vida, manter todas as laranjas no ar?
Ou… talvez não. Comecemos com uma história otimista, a de Ana Torres, uma das ‘power women’ portuguesas. Com a sua gargalhada típica, desmistifica estes dramas: tudo se consegue com organização. E ajuda.

“Percebi que não ia ser 
uma fada do lar”

Ana Torres é uma executiva que desmente a ideia de que não podemos ter ao mesmo tempo uma carreira e uma família (pelo menos algumas de nós). Líder do ‘cluster’ de Doenças Raras da Pfizer na Europa e presidente da Professional Women’s Network Lisbon (uma organização que defende a maior participação das mulheres na gestão de topo das organizações), tem dois filhos adolescentes em casa e 11 países sob sua liderança no trabalho. E afirma que não é assim tão diferente de uma mãe ‘tradicional’: “Tento jantar com os meus filhos todos os dias à mesa e vou sempre às festas na escola.”
Desde cedo percebeu que tinha de encontrar esse equilíbrio entre a área profissional e a pessoal. “E nós, mulheres, quando falamos em área pessoal, pensamos apenas na família e esquecemos o ‘eu’, o fazer aquilo que nos dá prazer, o ter tempo para nós. Isso é tão importante!”
Teve dois grandes fatores de sucesso: “Um apoio familiar que me ajudou e continua a ajudar imenso, e o realismo. Percebi que não ia ser a fada do lar perfeita que achava que ia ser. Portanto, deleguei muito em serviços e ajudas externas para poder ter tempo para aquilo que para mim era importante: carreira e filhos. A frustração que noto em muitas pessoas vem de quererem ser supermulheres, fazer tudo sozinhas. É possível, mas acabamos totalmente desgastadas.”

“As mulheres têm sempre milhares de coisas para fazer”

Ana teve sorte, e sabe-o. Afirma que as empresas onde trabalhou sempre lhe deram flexibilidade nas situações em que precisava mesmo de estar presente na vida dos filhos. Mas nota que este famoso ‘equilíbrio’ parece ser uma questão ainda hoje quase exclusivamente feminina. “É como se os homens não tivessem papel nenhum na criação de uma família. Nós aqui na empresa fazemos muitas ações de formação ao fim do dia. Pois imediatamente a seguir as mulheres desaparecem. Os homens continuam lá, na maior das calmas. Porque as mulheres têm sempre milhares de coisas para fazer, coisas que já estão asseguradas quando os homens chegam.”
Ou seja, muitas vezes a ‘culpa’ nem é das exigências da ‘carreira’, mas da nossa cultura e educação. “As mulheres continuam a levar a família aos ombros. Quantas vezes não ouvi eu em casa de amigos: ‘Então mas quem põe a loiça na máquina? Ponho eu, que ele não sabe’. Enquanto continuarmos a dizer isto, as coisas não avançam.”
Culpa é palavra que não entra no seu dicionário de otimismo. “O que aprendi nisto tudo, se é que aprendi alguma coisa, é que temos de aprender a estabelecer prioridades, e depois viver bem com isso, sabendo que as coisas não podem ser perfeitas.”

Entre irmãs

Mas nem todos os empregos são uma ‘carreira’. Na maioria das vezes, são aquilo que se tem de fazer para ganhar a vida e pôr comida na mesa. É o caso de Elisa A. Com 29 anos e três filhos, de 8, 3 e 1 ano, o seu emprego como empregada de limpeza dificilmente poderia ser descrito como ‘uma carreira’, e, no entanto, à sua vida Elisa dedica a mesma organização e noção das prioridades que uma superexecutiva.
“Vivo com a minha irmã, que tem duas crianças dela, portanto são cinco crianças ao todo. E revezamo-nos as duas para que os horários das crianças sejam respeitados.”
As duas irmãs têm um horário mantido escrupulosamente. Elisa pega ao trabalho às 7 da manhã, e cabe à irmã a tarefa de levantar as crianças e de as deixar todas em escolas e creches, antes de começar o seu próprio emprego no McDonald’s. À tarde, Elisa sai a tempo de ir buscar algumas crianças. Fica com elas até a irmã chegar, por volta das 19h, quando torna a sair para o turno das 19 às 21h. E isto todos os dias.
Com a ajuda do marido, não conta. “Foi para França procurar trabalho, e tão cedo não estou a contar que ele regresse.” Por enquanto, as irmãs aguentam-se e apoiam-se uma à outra. Elisa afirma que não gostava de fazer limpezas para sempre, mas por enquanto não vê alternativas. Sim, as irmãs encontraram um equilíbrio: mas à custa de chegarem exaustas ao fim do dia.

“É preciso sacrificar
uma parte da nossa vida”

Há quem faça todos os tipos de malabarismo: e há quem, feitas as contas ao que quer da vida, tenha deixado cair uma das ‘laranjas’. “É sempre esperado que sacrifiquemos uma parte da nossa vida, ou o trabalho ou as crianças. E eu desisti desse ‘equilíbrio’.”
Maria Pereira tem 46 anos e três filhos, entre os 5 e os 15 anos. Até o mais novo nascer, trabalhava numa multinacional com horários ‘terríveis’. Mas os filhos estavam na escola e conseguia organizar-se com o marido. Quando engravidou de surpresa do terceiro filho (“foi um filme, achei que tinha cancro”) a vida descontrolou-se. “Comecei a dizer que não conseguia corresponder a todo o trabalho exigido, e tudo começou a ficar muito complicado. Falei com o meu marido e decidimos que eu ficaria em casa e daria apoio aos miúdos.”
Saudades do trabalho, não tem muitas. “Tive mais saudades do dinheiro (risos). Sempre achei que muitas mulheres não têm um emprego que as realize e talvez preferissem ficar em casa e dar apoio aos filhos, mas não acho que seja uma solução a que as pessoas tenham de recorrer só porque sai mais barato que uma creche.”
Foi muito criticada. “Perguntavam-me se não me sentia culpada de ter deixado o trabalho. Mas essa palavra para mim não existe. Não acredito em culpa, mas em responsabilidade. Se sou uma mãe helicóptero? Sou um bocado, admito. Mas na verdade sempre foi isto que eu quis ser.” Continua atenta às vidas que a rodeiam. “Tenho amigas que trabalham por turnos e deixam filhos com avós fins de semana inteiros, e depois, num dia de folga, gostavam de passar algum tempo com os miúdos, mas como a escola tem horários formatados, não dá. Então vão buscá-los, mas dizem que vão ao médico. Têm medo de serem criticadas por uma sociedade que nunca as apoiou.”

“Bom-dia, o meu nome é…”

O que é que Ana, Elisa e Maria têm em comum? Têm (ou tiveram) de se confrontar com a pergunta: como é que oriento o bebé e o trabalho? Uma quarta mãe não só fez a mesma pergunta como a transformou no seu modo de vida: depois de ter passado um mau bocado na busca desse ‘equilíbrio’, a escocesa Tracy Gunn criou a Mumager (mother + manager, mãe e diretora) para ajudar as mães que regressam ao trabalho, e dá formações por todo o mundo.
Desta vez veio a Portugal para a 2ª edição da conferência ‘Luxury Family Brand Event’, que reuniu vários especialistas na área da família. Conversámos com ela na paz do Martinhal Family Hotel, na Quinta da Marinha. Tracy fala pausadamente, e é difícil imaginá-la em desespero, mas foi o que aconteceu. “Lembro-me de estar em frente de uma data de diretores de empresa e dizer ‘Bom-dia, o meu nome é…’ e fiquei ali sem conseguir dizer o meu nome! Não fui realista depois da maternidade e fiquei tão exausta que quebrei.”
Tinha uma empresa ‘free lancer’ quando engravidou e a sua rotina bem organizada descontrolou-se. “Quis voltar ao trabalho o mais depressa que consegui, na tentativa de compensar o tempo em que tinha estado ausente. Vivia em hotéis e aeroportos longe dos meus filhos, sentia-me exausta, tristíssima e cheia de culpa e não estava a 100% em lado nenhum.”

O ‘Ponto C’

“Não levou a sério a depressão, até que uma amiga um dia lhe bateu à porta. “Perguntou: ‘Olá, como é que estás?’ Desatei a chorar. E pensei: ‘Sou só eu que me sinto assim?’ Criou então a Mumager e começou a desenvolver workshops para mulheres que tinham voltado ao trabalho, os homens que as acompanhavam, e as empresas que queriam melhorar a vida das suas colaboradoras.
Vamos lá à parte prática: ideias para regressar ao trabalho em paz. “As maiores dificuldades quando se volta ao trabalho continuam a ser a falta de flexibilidade das empresas, a culpa, a falta de confiança e o cansaço”, explica Tracy. “As mulheres sentem-se culpadas por tudo. Mas o ‘Ponto C’ (a culpa) não nos ajuda nada. Os homens nunca se sentem culpados. Porque ainda há 20 anos a vida das mães era muito diferente, e o cérebro demora a adaptar-se. Temos de nos ‘retreinar’ para perceber essa nova realidade.”
O que podemos fazer: “Comece por perguntar: Posso fazer alguma coisa acerca disso? Tenho mesmo de trabalhar porque gosto do meu trabalho ou preciso dele por razões financeiras. Isso está decidido. Talvez possa aproveitar melhor o tempo com os meus filhos, em vez de me angustiar a pensar que podia passar mais mas não posso. Sinta-se confiante: todos os estudos mostram que uma mãe trabalhadora não prejudica o desenvolvimento de uma criança. Aquilo de que uma criança precisa é de amor e carinho.”
Em segundo lugar, ‘recrutem’ todas as ajudas que possam. “Lembro-me da minha sogra me perguntar ‘Queres que te passe alguma roupa a ferro?’, e eu recusava porque ela me passava as calças com vinco e eu não gostava. Hoje, aceito sempre. O cansaço é o nosso maior inimigo.”
Em terceiro lugar, trate de si primeiro. “É como as máscaras de oxigénio nos aviões: ponha a máscara a si primeiro. A sua família vai depender disso.”

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