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Luis Coelho

É meio dia. No colégio, os alunos mais pequenos almoçam, outros jogam futebol ou brincam no recreio, e na sala ao lado vem um cântico de fazer inveja a muitos profissionais. É uma emoção quando o professor passa seguido de fotógrafo e aparato de fotografia. ‘Ó professor, vais ser fotografado? Também podemos?’ Hoje não, diz rindo. Hoje a estrela é o professor.

Em 2011 foi considerado pela Microsoft um dos 18 professores mais inovadores do mundo e desde aí tem sempre integrado o grupo. É conhecido por defender a tecnologia na sala de aula, a sabedoria digital, a criatividade escolar. A sala está cheia de trabalhos dos seus alunos de 6 anos. ‘Isto deve dar uma trabalheira’ sai-me. ‘Dá dá’. Diz ele. ‘Mas o papel do professor é esse. Ter trabalho’.

Sentamo-nos em frente do quadro interativo. Quero perceber o que é que faz dele um dos melhores professores do mundo.

– Gostava de ir ao quadro em pequeno?

Odiava. O mais engraçado é que eles agora adoram, porque sabem que não vão ser recriminados e porque hoje as crianças adoram ser o centro das atenções. Claro que depois quando a coisa lhes corre mal, ficam muitíssimo frustrados.

– Afirma no seu livro que para muitas crianças a escola é o primeiro momento em que se confrontam com a frustração…

Acontece muito. E ainda por cima nestas idades é-lhes pedido que façam um esforço de rigor porque têm de aprender a ler e a escrever, e muitas vezes para eles tanto faz fazer bem como mal (risos). E muitos não têm qualquer filtro de certo ou errado, ninguém lhes diz que fizeram alguma coisa mal feita. Essa é uma realidade nova, mas um dos principais requisitos de um professor é adaptar-se a uma nova realidade.

– Mas a vossa escola é conhecida por ter um modelo longe do tradicional…

Sim, muitas vezes eu até penso que é uma espécie de evangelização, esse passar a palavra de que já não podemos ter o modelo de escola em que o professor fala e o aluno ouve, que era o que também acontecia em casa: o pai falava e o filho ouvia. Hoje em dia a realidade das crianças é totalmente oposta. Os miúdos mandam em casa. E aí a condição económica não é relevante: a sociedade em geral endeusa as crianças mas ao mesmo tempo tira-lhes autonomia.

– Sobreprotegemos as crianças?

Muitíssimo. É engraçado que aqui na escola as duas oficinas mais apelativas para as crianças são a culinária, que lida com facas e lume, e o ‘Do it yourself’, que lida com martelos e serrotes. E é evidente que às vezes há quem se corte (martelar um dedo não acontece tanto, eles estão mais à vontade na cozinha) mas isso faz parte. Há investigadores que dizem que as 5 coisas que todas as crianças deviam aprender a fazer são coisas perigosas: aprender a mexer no fogo é uma delas. E no entanto, afastamo-las consistentemente de tudo isso.

– Visita muitas escolas estrangeiras?

Já visitei muitas, e a escola está inserida na ‘Comunidade de Escolas Microsoft’, onde recebemos muito material, muitos vídeos com exemplos de outras escolas, o que nos dá ideias. Também fazemos Erasmos com meninos de 9 anos: vão uma semana para outro país, onde estão em casa de pessoas que não falam português, e para eles ‘desenvencilharem-se’ em inglês é incrivelmente enriquecedor.

– Os modelos da escola nórdica são muito endeusados, não são?

Porque nos parece que tudo corre bem. Ora num vídeo todas as escolas são extraordinárias, e numa foto ainda mais porque ninguém se mexe. Já visitei escolas nórdicas, e de facto, embora haja muitas diferenças culturais, há muito que podemos aproveitar. Por exemplo, fui a uma escola onde as crianças andavam livremente pela escola e faziam as suas tarefas quando lhes apetecia. Podemos dizer, ‘ah é mais fácil, era uma escola de pré-escolar.’ O que eu acho é que, não devendo levar estas coisas ao extremo, o que se tem feito é o contrário: tem havido um movimento no sentido de escolarizar o pré-escolar, quando devia ser o contrário – devíamos pré-escolarizar o primeiro ciclo, trazer as coisas boas do pré-escolar para os mais velhos: mais trabalho de grupo, espaços diferenciados na sala com alunos a fazerem coisas diferentes, poderem escolher a abordagem ao tema proposto.

– Exigimos muito às crianças?

Depende. Detesto facilitismo. O que eu faço é dar-lhes uma pergunta de partida, por exemplo ’O que fazer para ter uma alimentação saudável?’ E cada um trabalha o tema como quiser: um festival de gastronomia, um cartaz, uma app. Vão estar a trabalhar muitas competências diferentes, e o processo criativo é que leva ao conhecimento.

– Estamos a matar essa criatividade?

Estamos, numa altura em que somos e seremos cada vez mais chamados a ser criativos. O problema é que toda a gente enche a boca a dizer que temos de promover a criatividade, mas depois quando chega a altura de ser criativo, fugimos. A tecnologia veio complicar isto quando devia ter descomplicado. A criatividade de eu pegar numa app e jogar tabuada não é nenhuma. Eles também jogam, mas ainda têm de saber a tabuada como dantes. Podemos é aprendê-la de outras maneiras. Fazemos campeonatos de tabuada, por exemplo, e aproveitámos a ideia do programa ‘Vale Tudo’ para os pôr a criar números com o corpo. Também criaram eles próprios jogos para treinar a tabuada.

– O que é que os pais podem fazer?

Podem desafiar os filhos a criar alguma coisa. Claro que é mais difícil em casa porque eles passam muito tempo na escola e quando chegam a casa precisam é de brincar. Mas não se preocupem a ensinar, inventem brincadeiras.

– Os pais não querem gastar o pouco tempo que têm a chatear-se com os filhos…

E eu percebo isso perfeitamente. A minha filha mais velha tem trabalhos, e eu ajudo (a mãe ajuda mais do que eu) mas tento que ela seja autónoma. Aliás, aqui temos vindo a abandonar os TPCs porque percebemos que a maioria era feita pelos pais. Na escola há tarefas que podem ser feitas quando quiserem e tentamos que as façam na escola mas ao fim de semana é importante levarem alguma coisa para casa, porque é a única altura em que os pais podem acompanhar o que os filhos estão a fazer. Há miúdos que não contam nada em casa. Pergunta-se: ‘Então o que fizeste hoje?’ e eles respondem: ‘Nada’… Não se deve insistir porque as crianças estão cansadas e não lhes apetece falar mais da escola e têm o direito, de brincar e desligar. Mas hoje vivemos uma verdadeira obsessão com as notas e os rankings.

– É demais?

Totalmente. Não vejo mal nenhum nos exames, mas acho que têm demasiado peso. Por exemplo, a entrada na universidade podia ser feita de outra forma, como um portefólio de cada aluno onde constassem outras actividades. Para mim não faz sentido um aluno entrar numa universidade sem uma entrevista, por exemplo. Muitas vezes as pessoas escolhem o curso por causa das notas e o resultado disso é que são infelizes a vida toda.

– Numa escola pública com 30 alunos por aula, este modelo mais aberto funcionaria da mesma maneira?

Funcionaria. As melhores escolas que conheço são públicas: Rio Maior e Ponte de Lima, que nem sequer estão em grandes cidades. Além disso eu tenho 25 alunos. É óbvio que faria outras coisas se tivesse 15, mas por outro lado há mais ideias a serem partilhadas com 25. O grande problema é que durante anos andámos obcecados com rankings, e portanto quem está acima mantém o esquema tradicional e quem não está, quer ser igual. Felizmente que isso está a mudar. O mais importante numa escola é o director. E quem anda nestes caminhos da inovação já começa a ver outras caras.

– Como é que um professor que percebe pouco de computadores ensina a geração digital?

Esse professor tem medo de perder a autoridade, tem medo que os alunos saibam mais do que ele. Mas temos de aceitar que os alunos sejam um bocadinho professores. Por exemplo, aqui na escola a tecnologia é uma ferramenta, como uma caneta. Por exemplo, no projecto ’Como salvar o planeta’: se calhar vão precisar do computador para escrever o guião. Eles não têm um computador por aluno, mas por grupo.

– Quando é que soube que queria ser professor?

Na primeira vez que entrei numa sala de aula como professor. Não entrei em Biologia, e enquanto fazia melhoria de nota o meu pai quase me impôs: ‘Vais tirar o curso de professor e para o ano logo se vê’. A minha mãe e a minha irmã eram professoras, mas tal coisa nunca me tinha passado pela cabeça. No momento em que me vi em frente de uma turma percebi que não queria fazer mais nada na vida.

– Qual é a maior qualidade de um bom professor?

Gostar dos alunos. Quem gosta dos alunos é sempre um bom professor. Depois é a capacidade de os desafiar, de os ajudar a crescer. E aí o professor tem de estar disposto a aprender com eles.

– Os miúdos estão diferentes agora? Esta é a última pergunta porque vejo que eles já ali estão à sua espera…

Essa é uma das grandes mudanças: hoje eles têm imensa dificuldade em saber esperar. Quando estão dois adultos a falar, a criança mete-se, e em vez de a mandarem esperar, ela é sempre atendida primeiro. Isto é uma falta de respeito. O lado bom é que são muito mais participativos. Pede-se opinião e eles falam sem medo, que era uma coisa que nós raramente fazíamos. Eles agora corrigem-me. Às vezes até me corrigem quando eu não estou errado! (risos) Dão mais luta, hoje. Chego ao fim da semana estoirado.

– Castiga?

Castigo. No outro dia uma aluna riscou a mesa toda – e passou a tarde a limpá-la. Isso para mim é um castigo que faz sentido. Se eles não cumprem as tarefas de aluno, têm trabalho a dobrar no fim de semana… Se batem uns nos outros, dou pontos negativos, e eles vão recebendo ou perdendo pontos. Claro que tento dar-lhes muito mais pontos positivos. Mas eles têm de perceber que também têm deveres. Não se pode despenalizar tudo. Há modelos educativos tipo ‘no schooling’ onde não há castigos, não há trabalhos, não há exames, não há testes…

– Então o que é que há?

Há eles brincarem na floresta. E eu acho lindo, sou fã dessas abordagens, aqui levamos muito as crianças à Natureza, e sei que o tipo de escola que temos em Portugal não satisfaz muitos pais. E estou de acordo com tudo isso. O que eu acho é que as crianças não vivem na floresta, e eu tenho de os preparar para a vida que eles vão ter.

– O que é mais importante uma criança saber hoje?

Fala-se muito das 4 competências para o século XXI: colaboração, criatividade, pensamento crítico e comunicação, mas para mim o essencial é aprenderem a conhecer-se a eles e aos outros. Gostaria que cada um dos meus alunos fosse capaz de estar atento a quem está à sua volta, a perceber quem não está bem, a desenvolver a inteligência emocional. Isto é o essencial. Por exemplo, ser teimoso não é uma qualidade. Ser teimoso não é ter uma personalidade forte, geralmente é aquela pessoa que não consegue respeitar as opiniões dos outros nem argumentar a favor das suas. Isso para mim não é ter personalidade nenhuma, é ser ditador e manipulador.

Biografia

Professor do ensino básico e diretor pedagógico do Colégio Monte Flor, em Carnaxide, Rui Lima tem estado envolvido em vários projectos relacionados com inovação pedagógica e utilização de tecnologias na educação. Em 2011 foi considerado pela Microsoft um dos 18 professores mais inovadores do mundo e desde aí tem sempre integrado esse grupo. Tem estado ainda envolvido no projecto de iniciação à programação no 1º ciclo e é autor do livro ‘A escola que temos e a escola que queremos’ (Manuscrito). É casado e tem duas filhas de 4 e 11 anos.

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