*artigo publicado originalmente em dezembro de 2016
A Stressada
Enfim, são quase todas, e com razão. Mas há famílias particularmente caóticas. Há o ex-marido que embica que quer levar a criança dia 24 apesar de não ser ‘o ano dele’, e que depois afinal decide que já não pode e que alguém tem de ir buscá-los que ele não tem tempo para os trazer; há os pais que fazem chantagem emocional porque o Natal sempre foi em casa deles e agora vão ficar sozinhos e não percebem que há outra família do outro lado a fazer a mesma coisa; os 25 primos que querem todos um presente; a família que tem 38 pessoas mas não cabem nem 10 lá em casa; os marmanjões dos sobrinhos que já têm 18 anos mas não oferecem nada a ninguém; o marido que acha que as mulheres é que ‘têm jeito’ para ‘essas coisas’ de comprar presentes, enfim. Há quem não tenha vida fácil no Natal. Mas respire fundo e conte até dez renas: daqui a nada já é janeiro e podemos finalmente descansar.
A Sobrecarregada
É em casa dela que se festeja, é ela que compra os presentes, é ela que decora tudo. Geralmente, pronto, faz porque gosta: ela adora receber pessoas, ela tem uma receita de filhós que herdou de uma antepassada no século XIII, ela sabe sentar as pessoas sem que o primo Paulo se pegue com a tia Amélia, ela consegue que toda a gente se reúna à volta dela. Quando ela morrer,
a família desfaz-se. Mas por enquanto é ela a ‘cola’ que junta todos à volta da lareira (pronto, do aquecedor a óleo)
A Despachada
Ai tenham lá paciência, mas até às 10 da noite tem de estar tudo na cama porque não há pachorra para festas que se arrastam madrugada fora com miúdos cheios de sono a uivar pelos presentes ou a caírem pelos cantos. É o tipo de pessoa que só dá presentes ‘úteis’ e que não vê onde é que está a graça de esperar pela meia noite ou de passar uma noite a comer fritos cheios de açúcar e a fazer conversa de chacha com gente que não interessa nada.
A Purista
Acha que a sociedade materialista destruiu o espírito da quadra e que mesmo as crianças já só ligam aos presentes (o que é verdade). Sonha devolver o Natal às suas raízes de família, paz e amor, mas vive deprimida porque hoje em dia já ninguém liga a nada, e mesmo as crianças parecem admiravelmente imunes à ideia de que devemos ser generosas, compassivas e tolerantes. Oferece à família ‘Presentes Solidários’ (‘Olá João, em seu nome foi oferecida uma cabra/manta térmica/3 galinhas/máquina de costura a uma família do Zimbabué’) embora eles preferissem o iPhone8 ou a Barbie Agente Secreta.
A sensata
Faz o que pode para aproveitar o melhor de dois mundos: já que o Natal existe, então que se tire o melhor partido da coisa. Sempre se aproveita para comer umas filhós com desculpa e para ter as crianças mais bem-dispostas (se não contarmos na categoria ‘bem-disposta’ a birra no hipermercado porque queria o Barco Pirata ou o Castelo da Elsa). Sim, há o sogros que são chatos, o dinheiro que é pouco, as músicas de natal que ninguém aguenta, e aquela sensação de que temos de ser bonzinhos por obrigação, mas que diabo, não custa nada olhar para as luzes, enfeitar a árvore e ter esperança num mundo melhor.
A Relaxada
Há quem diga que não existe, como o próprio Pai Natal, que é um mito, como o unicórnio, mas há quem jure que conheceu uma assim. Há muito tempo. Em 1987. Enfim; que elas existem existem, mas geralmente uma mãe relaxada significa apenas uma coisa: que ela tem quem faça o trabalho por ela. A mãe relaxada já decidiu que só dá presentes às crianças (a única que há na família é dela), que vai jantar no dia 24 a casa da mãe e dia 25 a casa da sogra (e leva uns petit-fours da pastelaria, que depois ninguém come), a criança grita o tempo todo mas ela faz orelhas moucas, as crianças são assim mesmo, e no fim da festa nem se lembra de ajudar a arrumar a mesa, há lá muita gente para fazer isso e ela já trabalhou muito na vida. Mas lá que é relaxada, é relaxada.
A Festiva
Ela adoooooooora o Natal, stresse incluído. Enquanto as outras mães andam de olheiras até aos tornozelos a pensar que raio hão-de fazer ao miúdo nas férias, esta vai ver as iluminações, lê histórias de natal às crianças, leva-as ao circo, compra 23 livros de receitas (e até testa algumas), espeta Pais Natais e azevinho de plástico em todos os cantos da casa, explica por que é que Jesus nasceu nas palhinhas e quem eram os Reis Magos, escolhe presentes para os filhos mas também para os pais, tios, amigos, primos, amigos dos primos, primos dos amigos, a porteira, o médico e o filho da vizinha que está desempregado. E não o faz pelos outros. Faz por ela própria. Em todas as mães festivas vive uma de duas crianças: as que tiveram natais dourados e querem recuperar a magia da infância, e as que nunca os tiveram e querem vivê-lo em adultas. O que é perfeitamente legítimo.
A do Contra
Acha que o Natal é uma invenção capitalista que incentiva ao consumo desregrado e que essa coisa da festa da família é uma hipocrisia porque todas as famílias são disfuncionais, e porque é que ela há de passar uma preciosa noite a fingir que ama o tio Alberto? As crianças anseiam por um bocadinho de espírito de natal, mas terão de enfeitar elas próprias a árvore, e presentes só se o pai estiver para aí virado ou a avó mostrar misericórdia. A mãe anti-Natal acaba por quebrar, e à última da hora corre ao Centro Comercial e bate-se à cacetada com outros pais no Toys’R’Us para comprar qualquer coisa aos miúdos, só para eles não ficarem traumatizados e virem daqui a 20 anos dizer que a culpa é dela. Mas continua contra.