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Luis Coelho

*artigo publicado na revista ACTIVA de dezembro de 2018

Ele próprio tem cara de criança, mas, como dizia um anúncio do tempo da pré-história, já é muito rodado. Fala pausadamente, o que é adequado quando se acabou de publicar um livro sobre o tempo. Pai de três filhos entre os 10 e os 14 anos, admite que não é fácil a paternidade nos dias de hoje, quando tudo está a mudar à velocidade da luz (e dos smartphones).
Mas também diz que para sermos pais suficientemente bons não é preciso sermos super-homens nem super-mulheres, e que a maioria de nós exige demasiado: a si próprios e aos filhos. E entre o desejo eterno do regresso à natureza e o ruído dos telemóveis, talvez seja possível encontrar um meio termo.
Relaxar é preciso: lá fora chove, num dos primeiros dias de inverno a sério em Lisboa, mas aqui no consultório até parece que há tempo para conversar com calma.

Como é que podemos pedir às pessoas que tenham mais tempo quando elas não têm mesmo mais tempo? Ou têm?
Isso é uma realidade muito difícil. Muitas pessoas que recebo têm essa queixa: não tenho tempo, mas não é porque eu não queira! A maioria das pessoas, se economicamente pudesse, desejaria trabalhar menos e dedicar-se aos filhos. Mas se isto é mesmo uma realidade, vamos tomá-lo como tal, de maneira a valorizarmos mais o tempo livre. E não estou a falar do clássico ‘tempo de qualidade’, porque tem de haver também tempo de quantidade. Se eu receber aqui no consultório um paciente mas só tiver 10 minutos para lhe dedicar, o que é que vou saber sobre ele e como é que vou ajudá-lo? Não vou. Portanto, temos de ter algum tempo físico. O problema é que as pessoas estão totalmente enredadas na sua teia de obrigações e acham que não há saídas.

E há?
(risos) Vai havendo. Por exemplo: os pais chegam tarde a casa. Devem manter-se, já em casa, conectados com o trabalho, com os smartphones, as mensagens, etc.? Claro que há algumas profissões onde isto é inescapável. Mas temos de aprender a desligar do tempo profissional. Digo que as crianças passam em média 37 minutos por dia com os pais, mas são 37 minutos de interação exclusiva, porque às vezes as famílias estão na mesma casa mas está um no quarto, outro na cozinha, ou todos nos telemóveis… Quando estão à mesa, é preciso estarem todos ligados às tecnologias? Ao fim de semana, não pode tirá-los de casa para irem ao parque ou à praia? Não é preciso fazer programas caros, não é preciso muito para sermos bons pais. Às vezes a solução está mesmo ali ao lado, e é simples. E é mesmo preciso os pequeninos trazerem doses monumentais de TPCs?

Os TPCs estão a arruinar a vida das famílias?
Quando as crianças são pequenas e os trabalhos são demais, claro que estão. O que é que os pais podem fazer? Existem associações… Ou escolham uma escola com uma política mais sensata em relação aos trabalhos. O problema é que os próprios pais pedem estes trabalhos.

Os seus filhos têm 14, 12 e 10 anos. Faz os trabalhos com eles?
Não, não faço. Mas eles andaram numa escola primária que não os sobrecarregava nesse sentido e que se concentrava em promover o pensamento e a atitude crítica. Claro que às vezes é preciso uma ajuda pontual. ‘Faz-me umas perguntas, que tenho teste amanhã.’ Ou: ‘Não percebo nada desta parte da matemática!’ Mas há uma diferença entre o pontual e o habitual. Temos cada vez mais filhos únicos e cada vez mais pais que se concentram excessivamente numa criança. No outro dia, uma mãe com um filho no 12.º ano, dizia-me: ‘As notas do meu filho foram uma deceção, depois de todo o trabalho que eu tive…’

O que é que podemos fazer?
Promover a autonomia. Os pais devem estar sempre disponíveis para ajudar, mas os miúdos são os responsáveis pela sua vida. Pais sentados ao lado dos filhos a fazer os trabalhos é uma receita testada para aumentar o stresse e a tensão familiar. Um pai nunca é um bom professor do filho, porque a proximidade é demasiada. Há famílias que gastam fins de semana inteiros em trabalhos. É um absurdo. Se não andar em cima ele não os faz? Então treine-o para ser eficiente. O que ele tem para fazer leva meia hora e ele arrasta? ‘Meu filho, tens meia hora para fazer isso e depois vamos passear ou fazer outra coisa. Se não o fizeres em meia hora, entendes-te tu com a professora.’ Os miúdos não devem ser sistematicamente controlados.

Somos demasiado exigentes em termos escolares?
Somos absurdamente exigentes e muitas vezes isso não faz sentido nenhum. Os pais não têm noção das fases de aprendizagem das crianças. Há miúdos pequenos que ainda não têm capacidade para aprender o que lhes é exigido, no tempo que lhes é exigido. Estas exigências aumentaram nos anos da crise, quando se começou a projetar nos pequeninos a ideia do desemprego, da competição, da preparação, etc. As crianças começaram a entrar para a escola antes do tempo. Há pais que me dizem: ‘O meu filho tem de entrar antes dos 6 anos, porque senão vai ser ultrapassado.’ Ora isto não faz sentido nenhum.

Outra contradição é que os empurramos para a frente mas depois não deixamos – ou eles não querem – que se tornem autónomos.Isto não é contraditório?
Muito. Empurramos os miúdos do ponto de vista académico, mas sobreprotegemo-los do ponto de vista emocional. Às vezes, há pais que me dizem: ‘Quando eu chego a casa tenho de ir brincar com ele.’ Ora isso não tem de ser sempre assim, as crianças também têm de aprender a gerir o próprio tempo, a entreterem-se sozinhas, a bastarem-se.

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‘Pais sem Pressa’ (Contraponto, €13,95) é um convite ao que nos parece ao mesmo tempo uma necessidade e  uma impossibilidade: ter mais  tempo para os filhos, ter mais tempo para nós, aprender a parar num mundo em constante movimento. 

D.R.

Estamos a criar pessoas com baixa tolerância à frustração?
Estamos. A felicidade também implica alguma infelicidade, não se ter tudo o que se quer, o aprender a ultrapassar barreiras. Isso também faz parte da vida. As crianças, hoje, muitas vezes não se confrontam com coisas naturais como a morte. Tenho mães que mostram o ‘Rei Leão’ aos filhos mas não os deixam ver a parte em que o pai morre. ‘Porque depois ele pode ter pesadelos.’ Ora que pessoas estamos a criar? E para começar, como é que ele vai fazer sentido do filme? Este evitar das coisas complicadas da vida dá uma grande impulsividade aos miúdos e uma grande dificuldade em gerir a frustração, quando não têm a gratificação constante do aqui e agora.

Diz que as crianças vivem dentro de ecrãs, mas os próprios adultos fazem a mesma coisa. Que consequências tem isto?
As tecnologias também têm coisas ótimas. Mas os miúdos ficam demasiado focados em duas coisas: na imagem e na velocidade da resposta. Isto depois vai chocar com outras realidades do dia a dia, como por exemplo a duração das aulas, onde têm de estar sentados e calados. Isto contrasta com os períodos cada vez mais curtos de concentração nos desenhos animados, por exemplo. Compare o ritmo de um filme Disney dos anos 70 com um filme de hoje. Veja a quantidade de cenas de susto, de ação, de pura estimulação sem sentido, que não os ajuda a integrar afetos e emoções…

Devemos controlar o tempo que passam colados a ecrãs?
Pelo menos devemos tentar (risos). Isto é como se faz com os miúdos mais velhos: ‘Podes sair, mas estás em casa à 1 ou às 2’. Se calhar eles não vão cumprir, mas têm a noção daquele limite. Depois, distinguir entre os fins de semana e os dias de semana, onde há uma rotina a cumprir. E depois, não desistir de oferecer aos miúdos alternativas. Se ele jogou futebol de manhã, depois foi almoçar com os avós, à tarde pode jogar um bocado na Playstation? Claro, qual é o mal? Prefiro esse equilíbrio àquela mania rígida de controlar as horas e desligar a ficha, que nunca funciona. Mas é óbvio que quanto mais nova é a criança, de mais ajuda precisa a criar esta autorregulação. E hoje há miúdos cada vez mais novos no mundo virtual. Vejo muitas crianças em atividades relacionais – e, por exemplo, uma refeição é uma relação – com iPads à frente… Há escolas que fazem muita gala em trabalhar com computadores, e acho bem, mas que isso não faça esquecer o papel e a caneta. Esta tecnologia é a que nós temos agora, mas sabemos lá como é que vai ser daqui a dez anos! Por exemplo, o meu pai insistia que devíamos aprender dactilografia… De que é que isso nos serviria hoje? Para o futuro deles, importará muito mais que os ajudemos a pensar, a raciocinar, a ter pensamento crítico.

Temos pouco respeito pela natureza, não temos?
Sim. Vivemos num país com um clima ótimo e usufruímos disso muito pouco. Às vezes não se leva os filhos a passear porque está a chover… Mas é só chuva, não é neve… E a natureza tem ritmos que ajudam as crianças a autorregularem-se. Uma criança em contacto com a natureza é uma criança mais em contacto consigo própria.

Estamos no Natal: que devemos oferecer a uma criança?
Brinquedos de construção, bolas, livros. A tecnologia pode esperar até depois dos 10 anos. Depois dessa idade, o telemóvel é importante para a socialização.

Acredita no Pai Natal?
Acreditei tempo demais (risos). Mas neste tempo tão frio, acho importante continuar a dar aos miúdos um espaço simbólico e de fantasia. Ainda pode haver mistério e sonho. Para que mais tarde depois desconstruam os contos de fadas, têm de lhos contar primeiro. E esta base tem de ser sólida e coesa. Temos de ajudar as crianças a fazerem sentido do mundo.

Sobre o autor

Nasceu em 1966, licenciou-se em Medicina e especializou-se em Pedopsiquiatria. Foi professor, médico, colunista, supervisor do Projecto de Apoio à Família e à Criança Maltratada e coordenador da Equipa de Intervenção do Gabinete de Reconversão do Casal Ventoso e da Equipa de Intervenção em Crise da Casa Pia. Atualmente trabalha em consulta privada e é autor de mais de 30 livros.

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