A ACTIVA esteve à conversa com Rita Oliveira e falámos sobre a modalidade todo-o-terreno (TT) e do facto de ser mulher num mundo repleto de homens e tudo o que isso acarreta.
1. Qual é a primeira memória que tem do todo-o-terreno?
Não tenho uma memória em concreto, mas lembro-me do meu pai estar, desde sempre, ligado ao todo-o-terreno. Inicialmente andava de mota offroad ao fim de semana, depois já com um UMM fazíamos alguns passeios em Portugal e também expedições. Com apenas 9 anos, fiz a minha primeira expedição a Marrocos e adorei. Desde então fiz várias e, ainda hoje, considero ser uma das minhas viagens e destinos de eleição. Esta é uma modalidade pela qual me fui apaixonando e hoje faz todo o sentido estar a passar por esta experiência de ser piloto.
2. Qual foi o seu primeiro contacto com a modalidade?
Como disse, sempre estive ligada ao todo-o-terreno, mas a competição surgiu em 2004 quando o pai me convidou para ser sua navegadora. Aceitei e assim foi até 2014, ano em que me desafiou para fazer a minha primeira prova como piloto, num UTV/Buggy. Por um lado, achei que estava louco, não tinha qualquer experiência de condução de competição! Por outro, senti que este seria um passo natural, dada a minha ligação ao todo-o-terreno. Aceitei o desafio e adorei! Percebi que com treino tinha capacidade para crescer e, este ano, já vou no meu terceiro campeonato, com evoluções notórias ao nível da minha condução.
3. O todo-o-terreno é uma prioridade na sua vida?
Apesar da minha presença em três campeonatos consecutivos e da minha grande dedicação em cada prova, o todo-o-terreno continua a ser um hobby para mim. Não o considero, por isso, uma prioridade na minha vida. É sim uma modalidade/hobby que funciona como um escape à minha rotina e que me permite superar o que pensava ser o meu limite e usufruir da adrenalina, própria dos desportos motorizados, que tanto gozo me dá. Nesse sentido sim, considero ser uma prioridade.
4. Entre o todo-o-terreno e o design, qual das duas é que não conseguiria viver sem?
São mundos totalmente distintos e por isso despertam em mim emoções e sentimentos muito diferentes. O design é a minha profissão, dedico-me a ele dia-a-dia e puxa pelo meu lado mais emotivo e criativo. O todo-o-terreno é um hobby pelo qual me apaixonei e que desperta o meu lado mais aventureiro, competitivo e agressivo, no sentido de me auto superar e desafiar os meus limites, prova a prova.
Lado a lado, são dois mundos que me complementam e equilibram como pessoa. Um não faz sentido sem o outro. Espero não ter de escolher entre um dos dois… Pois será uma escolha difícil. Mas se esse dia chegar, o meu lado racional tomará, naturalmente, a decisão mais acertada.
5. Quais são os seus objectivos dentro da modalidade?
Tal como referi, a minha ligação ao todo-o-terreno começou desde muito pequena, com o passar dos anos a paixão foi crescendo e hoje não me imagino sem praticar a modalidade. Ao fim de quase três anos a competir, confesso que os resultados desportivos são também cada vez mas importantes. Tento superar-me a cada competição, fazer mais e melhor.
Por outro lado, aproveitar para estar em familia e entre os bons amigos que fiz com a modalidade, divertir-me e usufruir da adrenalina que um desporto motorizado nos permite é também extremamente importante para mim. Enquanto todos estes fatores se equilibrarem e financeiramente se proporcionar estarei presente no todo-o-terreno e apostarei na auto superação.
6. Como se prepara para as provas?
O exercício físico sempre fez parte da minha rotina, se não fizer exercício, não me sinto bem. Mantenho por isso o meu treino funcional, três vezes por semana, corro e faço yoga. Tento também manter uma alimentação saudável e acima de tudo nutritiva, pois ajudará muito nos dias de prova. Hoje em dia há a tendência, quase moda, da comida saudável, mas comigo sempre foi assim. Gosto de saber o que estou a comer e quanto mais natural e menos conservantes, melhor.
Em dias de competição tomo sempre um bom pequeno-almoço, à base de hidratos lentos e durante as provas, apesar de me ir alimentando, tenho especial atenção na hidratação. Para além de tudo isto, costumo fazer um treino todo-o-terreno entre cada prova. Nada como pegar no carro para fazer algumas afinações e voltar a ter as sensações dos dias de prova.
7. Já passou por algum momento ou ouviu algum comentário sexista?
Não me recordo de nenhum comentário em especial. Sinto que a nossa dedicação, empenho e perseverança tem vindo a ser, pelos homens, cada vez mais valorizada ao longo dos anos. Algumas vezes, até somos nós mulheres, que conduzidas pelo preconceito que sabemos existir à volta do binómio mulher/condução, ficamos mais acanhadas, refletindo-se em alguma falta de auto confiança.
Na modalidade, a minha experiência diz-me que somos cada vez mais respeitadas também porque nos temos vindo a afirmar conduzidas pela nossa determinação, empenho e pela conquista de resultados.
8. Acha que mais mulheres se devem aventurar em universos essencialmente masculinos?
Depende do universo, não os conheço todos, mas no universo do todo-o-terreno, claro que sim. Basta acreditarmos em nós, termos confiança naquilo que somos capazes de fazer e trabalhar, sem desistir, no sentido de alcançarmos o que queremos, independentemente de alguns preconceitos que continuam a existir.
9. É feminista?
Tive a sorte de nascer numa época em que a mulher já não era tão oprimida pela sociedade e, por isso, nunca me inspirei muito neste movimento. Não me considero uma pessoa feminista, mas acredito que com trabalho, dedicação e confiança uma mulher consegue chegar a patamares elevados, ainda que em áreas e ambientes mais direcionados para os homens.
10. Portugal é um país conservador quanto ao papel da mulher na sociedade?
Portugal tem evoluído bastante enquanto país e nesta questão do papel da mulher não é exceção.No nosso país, existem cada vez mais mulheres com cargos de topo em várias áreas, na política, nas grandes empresas, etc. Talvez tenhamos de lutar mais e ser mais persistentes para lá chegar, mas chegando, conseguimos mostrar que também temos a garra necessária para desempenhar funções que no passado eram mais direcionadas para o homem.
11. Há alguma coisa que a incomoda?
No mundo da competição, incomoda-me bastante a falta de fair play. Tanto no desporto, como na vida pessoal, temos de saber ganhar, mas também temos de aceitar perder e encontrar nas derrotas uma janela aberta para podermos crescer e progredir.
12. Tem algum sonho?
Sonhos… Tenho muitos… A vida é carregada de sonhos! Quero continuar a evoluir no todo-o-terreno, sonho com as minhas viagens… Nem sempre o trabalho e a rotina me dão espaço de manobra, mas por vezes peço-lhes tréguas e lá vou “riscando” mais um destino. Entre tantos outros sonhos! Porque afinal são eles que dão cor ao meu dia-a-dia.