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Sandra Silva já teve a sua quota de hospitais. Com 43 anos, tem o azar de ter fibrose quística, uma doença rara que afeta cerca de 300 portugueses e cuja esperança de vida ronda os 25 anos. Ao longo da vida, teve de passar por vários internamentos, até fazer um transplante pulmonar há oito anos. Sabe bem o que é estar numa situação de fragilidade e lidar com peripécias mais ou menos graves e dramáticas, situações por que já terão passado, uma vez ou outra, todos os que recorrem a hospitais.

“Lembro-me de estar com mais alguns doentes de fibrose quística, todos na mesma sala, quando devíamos estar em isolamento. Chamámos a atenção, mas a resposta era sempre a mesma: ‘Não podemos fazer nada, não há mais quartos, não vale a pena reclamar, se reclamarem é pior.’ A chantagem é enorme, se reclamamos podemos gerar antipatia e temos receio, estamos vulneráveis. Noutra altura, deram-me um antibiótico que teve bastantes efeitos secundários, a febre subiu muito e tinha dores horríveis nos ossos, não era normal, tive de insistir muito para ligarem à médica e quando atendeu respondeu-me aos gritos ‘tu estás completamente histérica’… Resultado: tiveram que chamar um médico das urgências, porque estava à beira da morte com uma anemia hemolítica causada pelo antibiótico. Resposta da médica: ‘Devias ter explicado melhor os sintomas’.”

Sandra tem noção das fronteiras ultrapassadas no que toca, pelo menos, ao direito a um tratamento com humanidade e respeito, mas, mesmo hoje, hesita em reclamar. “É essa médica que tem de assinar os papéis para eu poder ter os meus medicamentos.”

Direitos, esses desconhecidos

Não é por falta de normas que as coisas correm mal. Desde convenções internacionais até aos códigos deontológicos de médicos e enfermeiros, passando pela Lei de Bases da Saúde e por várias cartas de recomendações, como a Carta dos Direitos do Utente dos Serviços de Saúde, a Carta dos Direitos do Doente Internado, a Carta dos Direitos da Criança Hospitalizada, ou a dos Utentes dos Serviços de Saúde Mental, são muitas as leis que dispõem sobre os direitos dos doentes. Mas, apesar de ser obrigatório estas cartas estarem expostas nos hospitais, quantos poderão dizer que conhecem o seu conteúdo?

Helena Pereira de Melo, professora de Direito da Saúde e Bioética da Univ. Nova de Lisboa, é coautora da Carta dos Direitos do Utente dos Serviços de Saúde. Sabe que apesar da importância dos direitos ali consagrados há muito a fazer no que toca à divulgação: “Há um grande défice de informação e de cidadania ativa. É fundamental que as pessoas saibam que têm direito a um tratamento com dignidade.” E lembra que apesar de não terem um caráter jurídico-vinculativo as cartas têm valor ético e pedagógico.

“Desde o Juramento de Hipócrates que há uma preocupação em controlar o que os médicos podem ou não fazer, só que até recentemente o que eles podiam fazer tecnicamente era pouco, pelo que não podiam ser juridicamente responsabilizados. Só quando a medicina se torna mais interventiva é possível responsabilizar o médico. Se antes os doentes não tinham direitos, hoje devem ser tratados de igual para igual.”

Quais são então esses direitos? Selecionámos alguns e explicamos melhor o seu significado.

– Direito à informação: Como paciente, tem direito a ser informada sobre o seu estado de saúde, o que inclui o seu diagnóstico, o prognóstico, os tratamentos que lhe tencionam fazer, possíveis riscos e eventuais tratamentos alternativos.

Esta informação deve ser prestada com clareza e tendo em conta a capacidade de compreensão de quem ouve. “O médico tem de se certificar de que o paciente percebeu, já que só assim será possível exercer um consentimento informado, explica Helena Pereira de Melo. Este conceito apela à responsabilidade individual dos doentes, que devem participar das escolhas terapêuticas que lhes dizem respeito e decidir a cada momento o que consideram ser melhor para si. Há uma exceção: no caso de prognósticos graves, “se o médico achar que os riscos de informar são maiores que os benefícios pode não dizer, mas a regra é informar”. Por vezes, os familiares pedem para o médico não contar a verdade, instituindo-se uma ‘conspiração do silêncio’ à volta do doente. Porém, deve entender-se que este “tem direito a preparar-se para a morte, fazer diligências e despedir-se, se assim o quiser”.

– Direito a não saber: Também pode não querer saber do seu diagnóstico ou prognóstico, acontece em casos de cancro ou doenças genéticas sem cura, seja por considerar que saber o vai deixar ansioso ou que não consegue aguentar a verdade. Seja qual for a razão, tem direito a não saber.

– Direito a dar o consentimento antes de qualquer ato clínico, de investigação ou ensino: É sempre livre de recusar um tratamento que lhe proponham, não tem de acatar terapêuticas ou medicamentos se não quiser, e tem de autorizar expressamente nos casos em que os médicos são acompanhados de alunos. “O caso paradigmático é o das testemunhas de Jeová, que são contra as transfusões de sangue e têm direito de as recusar, mesmo que isso implique a sua morte. No caso de menores, o médico pode sobrepor-se à decisão dos pais, mas tem de recorrer ao tribunal." O consentimento também pode ser presumido em situações de emergência quando não há forma de saber a vontade do paciente, se este não tiver deixado nada escrito.

– O parceiro de uma mulher que faz um aborto tem direito a saber? “Não tem que dar consentimento para a sua realização, nem direito a saber que foi feito”, diz Helena Pereira de Melo

– É legítimo pedir para não se saber os resultados de HIV? “É. Mas se o médico souber que há um parceiro pode aceitar-se que o avise, informando o doente que o vai fazer, para evitar o crime de propagação de doença contagiosa. Pode ligar e sugerir que faça um teste de HIV, por exemplo”, explica Helena P. de Melo.

– Direito a ter uma segunda opinião: Em casos graves, os doentes têm direito a pedir o parecer de outro médico da mesma especialidade, o que deve ser assegurado pelos serviços em tempo útil. Mas "na prática este direito depende dos recursos do estabelecimento de saúde”.Por norma, nos hospitais será mais fácil.

– Direito a Reclamar: Pode fazê-lo no Livro de Reclamações, que não lhe pode ser recusado. A queixa é feita em triplicado e uma cópia deve ser enviada à ERS em 10 dias. Pode reclamar diretamente à ERS por carta ou no site (www.ers.pt) e no Livro de Reclamações do site da DGS, o Sim-Cidadão (www.dgs.pt), ou no Gabinete do Utente do hospital. Helena Pereira de Melo não é a favor de muitas reclamações porque "podem gerar uma medicina defensiva, que não será benéfica para o doente”, mas vale ter em conta que podem ter efeito pedagógico e que as estatísticas dos gabinetes dos utentes aferem o número de queixas que cada médico tem. Sabia que a Carta dos Direitos de Acesso aos Cuidados de Saúde Pelos Utentes do SNS e Tempos Máximos de Resposta Garantidos estabelece os tempos máximos de espera, seja para consultas, renovação de medicação ou operações nos centros de saúde e hospitais? Está em www.ers.pt.

– Direito à privacidade: O doente tem direito a ter privacidade durante as consultas e tratamentos, e os serviços devem adotar as medidas necessárias para que isto aconteça. Pode pedir para estarem presentes apenas os profissionais indispensáveis (no caso de estarem alunos ou outros funcionários). O pudor do doente deve ser respeitado: “Deve assegurar-se a privacidade, sendo certo que muitas vezes os meios são limitados – há cortinas e biombos que praticamente não servem de nada –, ainda assim, o doente deve reclamar, porque é importante que os serviços se dotem dos meios para assegurar esse direito.”

– Direito à confidencialidade: Todo o pessoal médico está obrigado à confidencialidade no que respeita às informações clínicas do doente e seus dados. Se estiver internado pode pedir para o hospital não divulgar a ninguém. Tem também o direito de aceder às suas informações clínicas. Isto inclui resultados de análises, exames, diagnósticos e outros dados relevantes. Na verdade, o processo clínico é propriedade exclusiva dos utentes, embora esteja à guarda do estabelecimento de saúde. “Há alguma polémica no que se deve considerar parte dele, por vezes além dos dados objetivos, o processo contém notas do médico, opiniões pessoais acerca do doente, por exemplo, com o intuito de ajudar a equipa. Não é certo que o doente possa ter acesso a estas.” Aos dados objetivos tem acesso e pode pedir para corrigir ou eliminar informações que se tornaram irrelevantes. Por ex: que teve tuberculose, se estiver curada

– Direito ao tratamento com respeito e humanidade: “O tratamento respeitoso não é de todo um direito secundário. Tratar os doentes com diminutivos, ou falar com ‘inhos’ paternalistas é desrespeito; tratar uma pessoa de 80 anos como um bebé é desrespeito”. Na carta dos direitos do doente internado estabelece-se inclusivamente que é proibido o tratamento por ‘tu’ ou ‘você’ e que o doente deve estar informado do nome e profissão de todo o pessoal.

Para se informar melhor dos seus direitos pesquise na internet as várias cartas de direitos que mencionámos, a Lei de Bases da Saúde e os códigos deontológicos de médicos e enfermeiros. Se for caso disso imprima-os e não se envergonhe de os levar consigo.

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