**artigo publicado originalmente em setembro de 2016
1 Resumir a história dos Três Porquinhos. “Era uma vez três porquinhos e depois… eh… um deles fez uma casa de pedra e depois veio o lobo e teve de entrar pela chaminé. Fim.”
2 Adoçar o fim. “O lobo entrou pela chaminé mas depois… eh…” não caiu nada num caldeirão de água a ferver, coitadinhos dos miúdos, depois ainda têm pesadelos e eu preciso de dormir, então, “o lobo entrou pela chaminé e depois ficaram todos amigos e sentaram-se a lanchar”. Pronto. Pela concórdia entre os povos.
3 Comer porcarias depois de as crianças estarem na cama. AHHHHHHH, uma batatinha frita! Temos de dar bons exemplos enquanto estão acordados, mas ninguém diz que temos de continuar a dá-los depois de estarem a dormir. Certo?
4 Estar no Facebook enquanto se finge que se brinca. “Sim, a mãe já vai esconder-se… espera aí um bocadinho… Olha, vai recortando este desenho para depois colarmos… Agora desenha aí, eh, um burro… Nunca viste um burro? Ó pá, desenha um carro. Depois recorta o carro…” Isto tudo enquanto se espetam variados likes e se percorrem vários ‘quintais’. A criança, que não é burra, começa a perceber que a mãe só ali está fisicamente e há uma altura em que se tem mesmo de largar os amigos virtuais e voltar à criança real, mas enfim, uma pessoa não é de pedra.
5 ’Perder’ a chucha. Há quem seja democrata e faça acordos do tipo ‘Se deixares a chucha, eu levo-te à Eurodisney’ (pronto, eu levo-te à praia ao fim de semana). Mas a esmagadora maioria opta pelo ‘não sei da tua chucha, a sério que não sei, acho que vais ter de dormir sem ela’.
6 ‘Perder’ o brinquedo que apita. Os tios ou o seu melhor amigo resolveram dar-lhe o que ele sempre quis: uma bateria. Ou um daqueles telemóveis a fingir da loja do chinês que descarregam uma música chinesa em agudos que ninguém merece, assim que lhe tocam. Claro que a criança ama. Sorriso amarelo da mãe. Ai que lindo, o que ele sempre quis isso! Pois sempre quis, mas havia uma razão para nunca ter tido: ainda só passaram dois minutos e já ninguém aguenta o chinfrim. Teme que os vizinhos a obriguem a mudar de prédio. E de país. Daqui a nada de certeza que alguém chama a polícia. E todos os pais merecem sossego. Amanhã, quando ele acordar, a bateria e o telemóvel de plástico desapareceram misteriosamente. Fugiram de casa. Pluft. Nunca mais ninguém os viu (nem verá, se Deus quiser).
7 Dar-lhe o telemóvel para que ele coma sossegado. Pois toda a gente sabe que não se deve fazer, que eles depois vão ficar zombies tecnológicos sem coração, mas no momento presente a gente quer é que ele coma o raio das ervilhas. Pronto, os douradinhos. Qualquer coisa. Nem que para isso seja preciso ‘capitular’ e deixá-lo ver desenhos animados no smartphone.
8 Usar a criança como desculpa. “Ai ó Sofia, não vamos poder ir ao vosso churrasco anual de verão, o Manelzinho tem uma festa e já confirmou há semanas. Sabes como é, ser mãe é não ter um momento de descanso, festinhas a toda a hora.” E também é ter uma fantástica desculpa para não sair de casa quando não lhe está mesmo nada a apetecer.
9 Dizer ‘quando viermos para baixo’. É uma ‘peta’ clássica, já utilizada pelas nossas mães. “Sim, filho, esse carrinho é lindo, mas agora não temos tempo, olha, quando viermos para baixo a mãe compra-te, ok’.” Está bem abelha. Quando vierem para baixo vêm estrategicamente por outro caminho, outra rua, ou de táxi, ou de metro, ou ele já não se lembra, ou vem a dormir. Coitadinhos dos miúdos, passam a vida a ser enganados, mas sabem-no. Todos os miúdos à segunda vez sabem que isto é tanga, mas enfim, por um lado não há nada a fazer, e por outro a esperança é a última a morrer…
10 Pedir a mais no restaurante só para acabar o esparguete à bolonhesa. “Não comes um prato todo, pois não? Então a mãe pede o esparguete e depois acaba o que tu não queres, está bem?” Os sacrifícios que uma mãe faz por um filho.
11 Dizer-lhe que o carro do Nodi está estragado. Ou a Abelha Maia. Ou o cavalinho. Ou a mota. Ou o mini-carrossel. Nenhuma criança resiste às máquinas de diversão dos centros comerciais, mas quase nenhum pai lá vai pôr a moedinha para aquilo andar… E no entanto é uma felicidade tão grande por uma quantia tão pequena…
12 Dar-lhe aquele livro que adorámos em criança… e que ele nunca vai ler. Se lesse ia adorar, mas o problema é que por um estranho mecanismo de autodefesa, zero crianças fazem de boa vontade aquilo que os pais gostariam que elas fizessem. Por isso, bem pode dizer-lhe ‘Ai ó Tiaguinho o que eu gostei deste livro quando tinha a tua idade” (geralmente tinha aí mais uns 5 anos, se fizer bem as contas), que ele nunca lhe vai pegar.
13 Bisbilhotar os segredos deles. Dantes lia-se os diários dos miúdos, agora vasculha-se o Facebook deles (e os coitados têm de passar pela humilhação de amigarem a mãezinha, senão ficam sem casa e sem herança) à procura de alguma coisa com que stressar. Dica n.º1: Não vai encontrar nada, porque a partir do momento em que eles amigarem a mãezinha, bazam. Dica n.º 2: Caso encontre, não vai saber o que fazer com aquilo. Boa sorte.
14 Fazer ‘contratos’ deseducativos. “Se não comeres o bife todo, não há sobremesa.” Os psicólogos fartam-se de nos dizer que não se deve usar a sobremesa como recompensa, mas lá está, é outra das frases que herdámos das nossas mães e que se encasquetou no nosso DNA e não há nada a fazer.
15 Dizer-lhe que o que eles querem é ilegal. “Sabes que é proibido uma criança com menos de 15 anos deitar-se depois das 10h? Pois é. Está na Constituição.”
16 Jurar que a loja está fechada. “Não podemos lá ir agora, a loja não abre durante o fim de semana, os vendedores estão todos a dormir.”
17 Deixá-los ganhar. Pronto, de vez em quando também somos queridos e simpáticos. Quem é o pai ou a mãe de coração tão empedernido que se empenhe a sério a defender golos ou a chegar primeiro ao ponto de partida? Ok, há alguns que não gostam de perder nem com alguém de 2 anos, mas a maioria faz essa caridadezinha. Pronto, menos no Jogo da Glória, que não conhece pais ou filhos e onde não há nada a fazer: se se cai no inferno, cai-se no inferno e não há volta a dar. Quer se seja pai ou filho.
18 Ficar 5 segundos a olhar para eles enquanto dormem. E a pensar ‘é uma pena que não sejam sempre assim, anjinhos’.
É mau mentir aos filhos?
Segundo o site parenting.com, não faz mal mentir às crianças de vez em quando e sobre certos assuntos: aliás, ‘mentir’ é uma palavra demasiado pesada para situações como a mãe que disse à filha “a minha pasta de dentes cheira a chocolate” para não ter que lhe confessar que, afinal, havia chocolate em casa! Ou quando uma criança de 3 anos pergunta. “Mãe, casas comigo?” ou “Vais ficar comigo para sempre?” Claro que dizemos que sim. Vai ter muito tempo para aprender a verdade.