Estou a falar por mim, atenção, mas reconheço que, no meu dia, preciso de momentos de pura abstração. De algum tempo, depois do jantar, em que me enfronho no sofá e quero desligar dos noticiários, do feed do Instagram, dos alertas das notícias catastróficas, dos números assustadores que chegam diariamente. E ‘Lupin’, da Netflix, é uma boa dose desse antídoto: entretenimento puro e duro.
Arsène Lupin é o “cavalheiro ladrão”, uma personagem criada pelo autor francês Maurice Leblanc e que serve de inspiração a esta série que estreou na Netflix a 8 de janeiro e que já é das mais vistas de sempre desta plataforma de streaming,
Porém, convém não tapar o sol com a peneira: a série tem inúmeras falhas a nível de argumento. Por várias vezes, um diálogo ou uma situação fazem-nos revirar os olhos e derrapam um bocadinho. Porém, isso não interessa nada porque não estamos aqui à procura de uma série nomeada a um Globo de Ouro. Por isso, com otimismo, vamos começar pelo primeiro dos pontos positivos: o ator principal – o talentoso Omar Sy – que consegue criar uma personagem que tem em si aquele je ne ce quoi feito de uma mistura equilibrada entre o bad boy e o herói atormentado, entre o charme contido e o toque de miúdo traquinas.
O herói – batizado Assane Diop – tem um filho lindo. uma ex-mulher compreensiva, um amigo dedicado e tirando isso, não confia em mais ninguém, como qualquer herói que se preze. Assane vive sozinho num apartamento que parece uma espécie de gruta do Batman à mistura com o estúdio do David Copperfield e encontrou inspiração para o seu ‘trabalho’ exatamente nos truques da personagem de Arsène Lupin. Por isso, é o rei dos ladrões e dos disfarces, tem mãos ágeis que parecem escapar às leis da física e uma mente rápida a arquitetar planos e a escapar a imprevistos, sempre agindo, claro, como um cavalheiro. Por fim, como qualquer herói que se preze, mesmo operando fora da lei não é movido pela ganância, mas pelo desejo de fazer justiça em nome do pai, culpado por um crime que não cometeu há 25 anos. Num percurso contra um arqui-vilão – um influente milionário francês, de ética duvidosa -, encontra uma jornalista incorruptível, uma ex-paixão e um polícia astuto no seu rasto, que, apesar de simpático, aos nossos olhos, queremos ver derrotado no fim.
‘Lupin’ junta uma série de elementos que não são propriamente originais, mas fazem parte dos códigos do género, e fá-lo na dose certa. Assim se constrói esta série francesa, sem uma produção balurdiosa nem um elenco secundário por aí além, mas que nos mantém presos aos truques de quase ilusionista da personagem principal e a uma trama cheia de peripécias e volte-faces. Ora, isto já é muito nos dias de hoje, porque é feito com honestidade e sem presunções. Lupin é aquilo que é e não pretende ser mais. E nisso é mesmo bastante bom.