Durante uns anos, a questão de não comer carne foi um ir e voltar na minha vida. Volta e meia retornava à decisão de deixá-la de vez e, umas semanas depois (uma vez foram meses), lá voltava a abrir exceções. E as exceções rapidamente se tornavam a regra. As desculpas eram as mais variadas. Falta de tempo era a principal. A escassez de flexibilidade do resto da família. Os jantares com amigos que não iam fazer comida só para mim. O facto de nunca ter gostado de cozinhar. E depois havia o susto que apanhava de cada vez que pegava num livro de receitas vegetarias. Tempeh? Levedura nutricional? Tahini? Sopa Molho Hoisin? Nunca tinha nada disto em casa e, no supermercado, ou não encontrava ou ficava tipo náufraga na secção de produtos naturais. A frustração sobre este tema ia-se acumulando, mas lá continuava a carne a entrar na minha vida, sem contar com o peixe, bem como o leite, queijo, ovos e iogurte.

Queria mudar, sabia porque queria mudar. O sofrimento e a exploração animal sempre foram o motivo principal, a que se juntou a questão ambiental – a produção de carne e lacticínios é a principal causa de emissão de gases com efeito de estufa. Com os anos, e aqui a idade nao perdoa, ganhou importância o facto de diversos estudos provarem que um regime vegetariano é de facto melhor para a nossa saúde. Porém, a decisão tardava.

Em confinamento, surgiu um desafio. Um programa concebido pelo personal trainer e nutricionista vegan Miguel Yallourides, mais conhecido por Miguel The Vegan, em conjunto com a Iswari, com a duração de duas semanas. Chama-se Plant Power for Beginners e coloca à nossa disposição um ‘caderno’ – com 20 receitas e informação nutricional sobre cada refeição -, um cabaz de produtos e um plano de treinos. É tipo o B-A-B do vegetarianismo. Ou vegetarianismo para totós. E decidi experimentar.

O foco do plano é familiarizar-nos com a alimentação vegan, explicando-nos como pode ser nutricionalmente equilibrada e que, à semelhança dos regimes que incluem a carne, a proteína está presente da forma necessária ao nosso organismo, mesmo para quem pratica exercício físico, bem como os hidratos de carbono e gorduras (a suplementação é necessária a nível de vitamina B12).

Passei o fim de semana anterior ao início da minha ‘transformação’ a ler os rótulos dos produtos que faziam parte do cabaz – de lentilhas a farinha grão de bico, de maionese vegan à levedura e ao Mix de Ómega 3 – e a estudar as receitas do Miguel, o que na verdade não me roubou assim muito tempo, porque a informação está apresentada de forma simples. De seguida, fiz a lista de compras para a semana – o cabaz não inclui, obviamente, todos os alimentos, nomeadamente os frescos, e fui para a cozinha (o que, a bem dizer, evito sempre que posso).

Para surpresa de todos cá em casa – principalmente minha – comecei a gostar dos tachos. E em duas semanas, experimentei todas as receitas do menu, não necessariamente pela ordem indicada, mas todas. A liquidificadora tornou-se a minha melhor amiga. O leite ficou armazenado na prateleira. Quando amigos curiosos me perguntavam como estava a ser experiência, consegui sempre assegurar-lhes: não ando com fraqueza, a comida é deliciosa, mesmo feita por mim, sinto-me saciada ao final das refeições e em momento algum ‘pequei’ porque está a ser de facto… fixe.

Ao pequeno-almoço mantive a aveia como base, que já comia habitualmente, porém com novas variantes, combinando-a com frutos vermelhos, cenoura ou curcuma, e passei a intercalar com smothies e panquecas . O mel foi trocado pelo xarope de ácer. Comecei a comer fruta logo pela manhã – banana, frutos vermelhos e mirtilos – e a adicionar sementes e frutos secos, fontes de Ómega 3, ferro e potássio. Nos snacks aprendi a ‘manipular’ o iogurte de soja – sem açúcares adicionados – e as torradas eram agora barradas com abacate, ficando a manteiga no frigorífico. Nas refeições principais, fiz tofu mexido como se fosse ovo, caril indiano de abóbora menina, chili vegano de feijão e seitan shawarma, entre outros pratos, e confesso só ter feito batota com o seitan, que comprei já feito. Fiz arroz doce vegano, power balls e húmus e ainda experimentei um cuscuz de couve-flor de outra fonte que não as receitas do Miguel (mas também ótimo).

Mantive os meus treinos habituais – corro quatro a cinco vezes por semana, uma média de cinco a seis quilómetros de cada vez – e tento, quando consigo, fazer um treino de barras ou funcional. Não me senti mais cansada ou com menos força nas pernas. Reforçava o pequeno almoço com uma colher de sopa de proteina vegetal e fazia o mesmo com o recuperador pós-treino, também vegan. Não perdi peso, mas sinto que queimei gordura.

Ao fim de duas semanas – terminaram esta segunda-feira – continuo a manter o regime vegan. Fui à estante procurar os livros de receitas antes abandonados à primeira leitura e, de repente, era como se tivesse compreendido uma nova linguagem. Comecei a fazer novas receitas e organizei-me à semana – faço jantar e deixo uma dose extra para o almoço do dia seguinte. Claro que ajuda viver com uma pessoa que alinhou nisto comigo (a criança continua com a sua alimentação ‘normal’). Em caso de não sobrar ao jantar, descobri que tenho sempre a fabulosa receita da omeleta vegana à base de farinha de grão, que posso rechear com o que quiser, entre legumes e cogumelos. Ou ter congeladas várias doses de sopa vegana. Porque ao final do dia preciso sempre de um doce, encontrei umas bolachas vegan. E daqui a uns tempos acho que me vou sentir pronta para me atirar ao mundo das sobremesas veganas, que parece infinito.

Claro que houve alguns choques. Quando compreendi que o bolo de chocolate da minha mãe se tinha tornado território interdito. Ou as bolachas de manteiga. Ou um salame de chocolate. De repente, dei por mim a olhar de forma completamente diferente para o que tinha nos armários. E percebi – outro choque – que podia passar perfeitamente sem uma série de coisas, que nem eram boas para a saúde, porque fazia uma alimentação não só vegan, mas muito saborosa mesmo.

Também estava preocupada com as contas de supermercado. Uma alimentação vegan seria mais cara? Há muito essa ideia feita e eu tive oportunidade de comprovar que… não era. No caso do programa da Iswari, recebe-se um cabaz de produtos no valor de mais de 150 euros, entre manteiga de amêndoa, quinoa, massa e arroz, curcuma e pimenta preta, levedura nutricional, xarope de ácer, mostarda e maionese vegan e outros básicos. Tive, de facto, de gastar mais no supermercado inicialmente, nomeadamente com temperos que não tinha em casa e outros ingredientes da cozinha vegetariana. Contudo, após este investimento inicial – que tem de existir – as contas não subiram. O que gastava em tofu, seitan ou massas enriquecidas com lentilhas ou grão era largamente compensado por já não parar na secção de carne, peixe ou queijo do supermercado (exceto para comprar alimentos para o miúdo). Por isso não, não é mais caro. Alguns alimentos sim, são, mas o importante é lembrar que não temos de andar sempre a comprá-los.

É claro que este programa é apenas uma forma de encetar este caminho – e que se encaixou em mim por vários motivos, nomeadamente porque me ajudou com a minha crónica falta de tempo e pouca prática na cozinha. Outra forma é começar a ler sobre o assunto – e aí recomendo que comece pelo livro O Vegetariano, de Sandra Gomes Alves -, organizar a lista de compras e fazer algumas receitas. Cada um é como cada um e nunca me esqueço daquilo que a Sandra me disse uma vez: antes de mudar, saiba porque quer mudar.

Depois é preciso aprender sobre os alimentos. Perder tempo a ler a informação nutricional do que consumimos. Sabia que as lentilhas, a quinoa e o grão-de-bico são boas fontes de proteína, assim como as ervilhas, o tofu e seus derivados e as favas? Porque não começar a adoptar uma refeição vegan por semana e ver como corre?

Se vou adotar uma alimentação cem por cento vegan? Bem, antes de mais o vinho tinto é ‘vegan’, o que é uma ajuda na minha determinação, assim como o café (confesso que não sei como seria se assim não fosse). O que me custa realmente é deixar o queijo, talvez porque não encontrei nenhum substituto à altura, e o sushi. Por isso, decidi abrir uma exceção e, uma vez por semana, a uma refeição, permito-me comer as duas coisas. Tirando isso, tudo vegan. Durante quanto tempo? Bem, é como nas relações: o melhor é tentar não criar muitas expetativas. Também é verdade que o confinamento ajudou. Estamos em casa, preparamos todas as refeições e temos mais flexibilidade de horários e menos ‘tentações’ exteriores. Quando ‘isto’ abrir outra vez, espero mesmo conseguir manter a organização e disciplina para não resvalar.

Não acredito que existam verdades absolutas sobre o tipo de alimentação. São escolhas pessoais, que não servem para todos e devem escapar – como tudo o mais – a fundamentalismos. Acima de tudo, o que comemos deve fazer-nos bem e deixar-nos felizes. E, neste momento, estou muito bem, obrigada!

(mais informações sobre o plano aqui)

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