Os pais autoritários estão de volta!


Confesso que ia um bocado amedrontada. Afinal, ia entrevistar um dos homens responsáveis por um dos maiores escândalos educativos das últimas décadas, o homem que defendera a urgência do regresso ao poder dos pais contra os todo-poderosos filhos.

Acusado de tudo, de fascista para baixo, o pediatra líbio-francês Aldo Naouri diz que os pais se demitiram do seu papel de educadores e em vez disso se dedicam a satisfazer a criança, com o único desejo de se fazerem amar. Diz que confundimos frustração com privação. Diz que transmitimos à criança que não só pode ter tudo como tem direito a tudo, içando-a ao topo do edifício familiar, onde ela nunca esteve e onde nunca deveria estar. Diz que um filho hoje não é criado para se tornar ele próprio, mas para gratificar e servir o narcisismo dos pais. Diz que estamos perante uma epidemia que encoraja os pais a seduzirem as crianças, tornando-as assim em seres obsessivos, inseguros, amorfos e emocionalmente ineptos, que não sabem gerir as suas pulsões e são incapazes de encontrar o seu lugar no mundo.



Em resumo, esperava alguém mais parecido com o Deus do Velho Testamento, que me recebesse com raios e coriscos, ou pelo menos uma praga de gafanhotos. Em vez disso, recebeu-me com um sorriso só equivalente ao sol de Lisboa, agarrou-me na mão, perguntou-me por que é que não tinha filhos e assegurou-me que os homens são todos uns egoístas. "Portanto, madame, é só escolher um! São todos iguais!"



Por entre gargalhadas, falou-se de coisas muito sérias, como aquilo que andamos a fazer às crianças. Ora leiam.





– Então, nada de democracia para as crianças?



– Não. É fundamental que estejam numa relação vertical: os pais em cima, as crianças em baixo. Porque há uma diferença entre educar e criar. Criar é dar-lhe os cuidados básicos, dar-lhe banho, alimentá-lo, etc. É como criar galinhas. Educar é haver qualquer coisa que não existe e que é preciso formar. Por isso a criança não está nunca ao mesmo nível dos pais, não pode haver uma relação horizontal. Se quiser compreender o que se passa na cabeça de uma criança numa relação horizontal, imagine o seguinte: você está num avião, e o comandante vem sentar-se ao seu lado. Você pergunta, Mas quem é que está a guiar o avião? E ele diz, ‘Ah, é um passageiro da primeira fila que eu pus no meu lugar.’ A criança tem necessidade de alguém acima dela.





– As mães não se escandalizam com a mudança de hábitos que lhes aconselha?



– Nada disso. As mães estão petrificadas na sua angústia e precisam de se libertar. Eu digo, ‘mas não vale a pena angustiarem-se dessa maneira, ser mãe é muito mais simples do que vocês pensam’. Digo-lhes que não vale a pena viverem preocupadas porque a criança não come, não dorme, ou vai ter ciúmes do irmão. Dou-lhes conselhos básicos e fáceis de seguir e tento fazer com que simplifiquem a máximo as suas vidas. O que eu quero é que a criança seja para os pais uma fonte de prazer e felicidade, e não um foco de sofrimento e angústia, e para que isso aconteça, os pais têm de estar descontraídos.





– As nossas avós não viviam nessa angústia…



– Pois não. Mas viviam num mundo em que havia três tipos de ordem: Deus, Rei e pai. Esse tipo de ordem fazia com que existisse qualquer coisa que as transcendia. Hoje todo o tipo de transcendência desapareceu, e quem ficou no lugar de Deus? A criança. Às mães que põem o filho nesse altar, eu simplifico a tarefa: digo – Não se cansem dessa maneira. Não se preocupem assim. Ponham-se a vocês próprias em primeiro lugar. Claro que não é uma coisa que elas estejam habituadas a fazer, ou sequer a ouvir, mas não é por isso que não podemos dizer-lhes, e não é por isso que elas vão deixar de ser capazes de o fazer. Acredito que vão ser capazes, porque é urgente: a bem das crianças, e a bem delas próprias. É preciso fazer as coisas de maneira tranquila, porque a mãe perfeita não existe, o pai perfeito não existe, a criança perfeita não existe.





– Mas as mães hoje têm uma vida tão difícil, é normal que se culpabilizem



– Não é por trabalharem fora de casa que têm de se sentir culpadas. Peço às mães: lembrem-se do vosso primeiro amor. Quando não o viam durante três dias, morriam de saudades. Mas quando o voltavam a ver, assim que batiam os olhos nele era como se nunca se tivessem separado. Com as crianças, é exactamente igual. Quando tornam a encontrar a mãe, é como se ela nunca tivesse partido.





– Diz que os pais esqueceram o seu papel de educadores porque querem ser amados pelas crianças. Por que é que isto acontece?



– Como todas as crianças, tiveram conflitos com os pais. E como todas as crianças, amam-nos mas guardaram muitos ressentimentos. E não querem que os seus filhos tenham esse tipo de ressentimento em relação a eles. E pensam que a melhor maneira de o fazer é seduzir a criança para que ela o ame. O que é um enorme erro. Porque nesse momento, a relação vertical inverte-se. A hierarquia fica de pernas para o ar, e quando isso acontece, destruímos a crianças.





– O problema é que as pessoas confundem autoridade com violência. Autoridade é fazer-se obedecer, não é dar uma palmada, que o senhor aliás desaprova.



– Completamente! Não aprovo palmadas de que género for, nem na mão nem no rabo. Ter autoridade não é agredir a criança. Ter autoridade é dizer: ‘Quero isto’, e esperar ser obedecido. Quero que faças isto porque eu disse, e pronto. Autoridade é só isto, é assumir o seu dever. Não vale a pena ser violento, aliás porque a criança sente a autoridade. É quando o pai ou a mãe não está seguro do seu poder que a criança tenta ir mais longe. Quando há uma decisão que é assumida pelos pais, ela cumpre-a.





– Uma terapeuta de casal dizia que as pessoas hoje não têm falta de erotismo, dirigem-no é todo para as crianças…



– Sem dúvida. E é isso que é urgente mudar. O slogan ‘a criança acima de tudo’ deve ser substituído por ‘o casal acima de tudo’. A saúde física e psíquica das crianças fabrica-se na cama dos pais. Por que isso não acontece é que há tantos divórcios, e depois a vida torna-se muito mais complicada para a mãe, o pai e a criança. Se elas decidem privilegiar a relação de casal, estão a proteger a criança.





– Educou os seus filhos da forma que defende?



– Sim sim, eu eduquei os meus três filhos tranquilamente. A autoridade significa serenidade, não violência. Ainda hoje, que eles já são mais do que adultos, nos reunimos às vezes para jantar. E no outro dia, falámos sobre as viagens de carro que costumávamos fazer – sempre viajei muito com eles. Quando se portavam mal, eu virava-me para trás e dizia: – Olhem que eu páro o carro e deixo-vos a todos aqui na autoestrada! – Só há pouco tempo é que percebi que eles achavam que eu estava a falar a sério e que seria capaz de os abandonar na estrada! (ri). Tal é a força da autoridade. Mas isso não tem importância, o importante é que funcionava! (ri)





– Diz que o pai tem de ser egoísta mas também diz que uma das tragédias do mundo moderno é a ausência do pai… Qual é então o papel do pai, para lá de ser egoísta?



– Tem duas funções: a primeira é a de possibilitar à mãe o exercício da sua feminilidade. A segunda é a de se oferecer ao filho ou filha como um escudo contra a invasão da mãe. Porque de outra maneira, a mãe vai tecer à volta do seu filho um útero virtual, extensível até ao infinito. O pai não está presente como a mãe, mas é preciso que esteja presente.





– Mas hoje exige-se aos pais que façam uma data de coisas, que mudem fraldas, que ponham a arrotar, que ensinem karaté



– Não é preciso. Porque na cabeça das crianças tudo está muito claro: aquela que o filho ama acima de tudo é a mãe, que sempre respondeu às suas necessidades desde que estava na sua barriga. Se alguém lhe diz ‘não’, mesmo que seja a mãe, para ele a culpa é do pai. Ou quando muito, da não-mãe. No inconsciente de uma criança, o pai não existe. Só há a mãe. O pai tem de se construir, a bem das crianças e a bem da mãe delas.





– Antes de ler este livro não tinha consciência de que as crianças estavam tão perturbadas.



– Li um artigo recentemente do director do centro médico-pedagógico de Paris, que afirmava que em 2008 tinha recebido 394 novas famílias, e que a maior parte tinham problemas psicológicos. No fim da primária, 40% dos alunos ainda não dominam a língua, e isto é grave. E não porque tenham problemas físicos ou sejam burros: é porque não os sabemos educar. Mas é uma tarefa difícil, porque mesmo as instâncias governativas vão no sentido de seduzir a criança. Porque as crianças vendem, são um produto que se compra e se compara. Todo o mundo vai no sentido de deixar a criança fazer o que quer, porque é mais fácil que ela não cresça. Mas o que vai acontecer é que essas crianças, se não travadas, vão crescer e fabricar sociedades absolutamente abomináveis, onde será cada um por si, onde não haverá solidariedade.





– Nem cientistas… É o senhor quem o diz…



– (ri). Apesar de tudo, estou optimista. As pessoas querem saber como podem mudar. Não sou o único a dizer estas coisas, mas digo-as de forma bruta. Tenho 40 anos de experiência com pais e crianças. E é muito fácil mudar, quando começamos a ver a lógica das coisas. Além disso, o que eu pretendo é simplificar a vida das pessoas. Não quero voltar àquilo que se fazia há um século. Não quero pais castradores.





– O que é um pai castrador?



– Não é um pai autoritário, é um pai fraco, intranquilo, desconfortável na sua pele e na sua posição. O que eu digo é, a sua posição como pai ou mãe está assegurada à partida. Só tem de exercê-la. Uma vez, apareceu-me uma mãe muito alarmada porque a filha não dormia. Aconselhei-a a dizer à criança, antes de dormir: ‘Podes dormir tranquila. Não preciso mais de ti hoje.’ E a criança dormiu a noite toda. Por isso eu digo no fim das consultas, a todas as crianças, tenham elas 1, 7 ou 14 anos, ‘Muito obrigado por me teres trazido os teus pais à consulta. Agora podes ficar descansado, eu ocupo-me deles.’







O QUE DEVEMOS FAZER…



Palavra de ordem: não compliquem.



Segundo Aldo Naouri, o esterilizador de biberões não faz sentido, nem desinfectar o mamilo.



– Os biberões devem lavar-se com água quente da torneira.



– As nádegas do bebé devem ser lavadas com água e sabão.



– A roupa do bebé pode ser enfiada na máquina como o resto da roupa de casa.



– Em todas as idades, devem tomar-se as refeições familiares em conjunto.



– Um adolescente pode ir vestido da maneira que bem-entender.



– Petiscar, no caso de um adolescente, não é de condenar, porque precisam de imensas calorias.





E O QUE NÃO DEVEMOS…



– Rituais antes de dormir, como a história ou a cantiga, é para irem à vida. Só servem para ritualizar o medo da criança. Deve-se mandar a criança para o quarto, e aí ela fará o que quiser com o seu tempo.



– Angustiar-nos com as horas de sono. É absolutamente necessário livrarmo-nos da obsessão do número de horas que eles dormem.



– Nunca, em circunstância alguma, se deve obrigar uma criança a comer.



– Biberão, chupeta e objectos de transição devem desaparecer antes do fim do segundo ano da criança.



– Bater nunca: nem na mão nem no rabo.



– Elogiar, só para coisas excepcionais.



– A criança não deve escolher a sua roupa.



– Uma ordem não tem de ser explicada, tem de ser executada. A explicação que é dada ao mesmo tempo que a ordem apaga a hierarquia. Se quiser explicar, só depois da ordem cumprida. A figura parental nunca, mas nunca, tem de se justificar perante o filho.







Para ler: ‘Educar os Filhos’, Aldo Naouri, Livros d’Hoje





Palavras-chave

Relacionados

Mais no portal

Mais Notícias

25 de Abril contado em livros

25 de Abril contado em livros

Caras Decoração: escolhas conscientes para uma casa mais sustentável

Caras Decoração: escolhas conscientes para uma casa mais sustentável

No tempo em que havia Censura

No tempo em que havia Censura

Supremo rejeita recurso da Ordem dos Enfermeiros para tentar levar juíza a julgamento

Supremo rejeita recurso da Ordem dos Enfermeiros para tentar levar juíza a julgamento

25 peças para receber a primavera em casa

25 peças para receber a primavera em casa

Luísa Beirão: “Há dez anos que faço programas de ‘detox’”

Luísa Beirão: “Há dez anos que faço programas de ‘detox’”

Sofia Manuel, a cuidadora de plantas

Sofia Manuel, a cuidadora de plantas

EDP Renováveis conclui venda de projeto eólico no Canadá

EDP Renováveis conclui venda de projeto eólico no Canadá

Samsung Galaxy Ring vai chegar em oito tamanhos

Samsung Galaxy Ring vai chegar em oito tamanhos

Os nomes estranhos das fobias ainda mais estranhas

Os nomes estranhos das fobias ainda mais estranhas

Vida ao ar livre: guarda-sol Centra

Vida ao ar livre: guarda-sol Centra

Exame Informática TV nº 859: Veja dois portáteis 'loucos' e dois carros elétricos em ação

Exame Informática TV nº 859: Veja dois portáteis 'loucos' e dois carros elétricos em ação

Ratos velhos, sistema imunológico novinho em folha. Investigadores descobrem como usar anticorpos para rejuvenescer resposta imunitária

Ratos velhos, sistema imunológico novinho em folha. Investigadores descobrem como usar anticorpos para rejuvenescer resposta imunitária

Conheça os ténis preferidos da Família Real espanhola produzidos por artesãs portuguesas

Conheça os ténis preferidos da Família Real espanhola produzidos por artesãs portuguesas

Teste em vídeo ao Volkswagen ID.7 Pro

Teste em vídeo ao Volkswagen ID.7 Pro

Pestana aumentou remunerações médias em 12%. Lucros caíram 4%

Pestana aumentou remunerações médias em 12%. Lucros caíram 4%

As férias de Georgina e Cristiano Ronaldo com os filhos

As férias de Georgina e Cristiano Ronaldo com os filhos

Fed e BCE em direções opostas?

Fed e BCE em direções opostas?

Procurador da Guiné-Bissau detido à chegada a Lisboa por alegado tráfico de droga

Procurador da Guiné-Bissau detido à chegada a Lisboa por alegado tráfico de droga

Famosos brilham na reabertura de loja de luxo em Cascais

Famosos brilham na reabertura de loja de luxo em Cascais

Os livros da VISÃO Júnior: Para comemorar a liberdade (sem censuras!)

Os livros da VISÃO Júnior: Para comemorar a liberdade (sem censuras!)

Chief Innovation Officer? E por que não Chief Future Officer?

Chief Innovation Officer? E por que não Chief Future Officer?

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

Nos caminhos de Moura guiados pela água fresca

Nos caminhos de Moura guiados pela água fresca

JL 1396

JL 1396

GNR apreende 42 quilos de meixão em ação de fiscalização rodoviária em Leiria

GNR apreende 42 quilos de meixão em ação de fiscalização rodoviária em Leiria

A reinvenção das imagens

A reinvenção das imagens

Caras conhecidas atentas a tendências

Caras conhecidas atentas a tendências

Em “Cacau”: Cacau dá à luz em casa e troca juras de amor com Marco

Em “Cacau”: Cacau dá à luz em casa e troca juras de amor com Marco

Em “Cacau”: Regina encontra Cacau à beira da morte

Em “Cacau”: Regina encontra Cacau à beira da morte

Num momento delicado para Kate e William, Carlos III reforça a importância dos príncipes de Gales no futuro da família real

Num momento delicado para Kate e William, Carlos III reforça a importância dos príncipes de Gales no futuro da família real

Exportações de vinho do Dão com ligeira redução em 2023

Exportações de vinho do Dão com ligeira redução em 2023

Depressão fria vinda da Gronelândia traz

Depressão fria vinda da Gronelândia traz "inverno" de novo a Portugal. O que esperar do tempo para os próximos dias

Apple compra startup francesa especializada em Inteligência Artificial e visão de máquina

Apple compra startup francesa especializada em Inteligência Artificial e visão de máquina

Montenegro diz que

Montenegro diz que "foi claríssimo" sobre descida do IRS

Asus ROG Zephyrus G14 em teste: o ultraportátil para gamers

Asus ROG Zephyrus G14 em teste: o ultraportátil para gamers

Antù: Um lugar aberto a várias artes no Porto

Antù: Um lugar aberto a várias artes no Porto

Ensaio ao Renault Scenic E-Tech, o elétrico com autonomia superior a 600 km

Ensaio ao Renault Scenic E-Tech, o elétrico com autonomia superior a 600 km

Quem tinha mais poderes antes do 25 de Abril: o Presidente da República ou o Presidente do Conselho?

Quem tinha mais poderes antes do 25 de Abril: o Presidente da República ou o Presidente do Conselho?

Dânia Neto usou três vestidos no casamento: os segredos e as imagens

Dânia Neto usou três vestidos no casamento: os segredos e as imagens

Ao volante do novo Volvo EX30 numa pista de gelo

Ao volante do novo Volvo EX30 numa pista de gelo

O futuro começou esta noite. Como foi preparado o 25 de Abril

O futuro começou esta noite. Como foi preparado o 25 de Abril

19 restaurantes abertos de fresco, em Lisboa e no Porto

19 restaurantes abertos de fresco, em Lisboa e no Porto

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

Mello, Espírito Santo e Champalimaud. O Estado Novo e as grandes fortunas

Mello, Espírito Santo e Champalimaud. O Estado Novo e as grandes fortunas

Parceria TIN/Público

A Trust in News e o Público estabeleceram uma parceria para partilha de conteúdos informativos nos respetivos sites