Foto Pexels/Yaroslav Shuraev


Estamos em 1964, e Maria descobre um bilhete de amor no bolso do marido. Deita-o fora depois de pensar: que é que vou fazer com aquilo? Quem é que quereria uma mulher com 4 filhos? Além disso, trair era o que os homens mais faziam. Anos depois, aconteceu a mesma coisa à filha. Maria aconselhou-a: “Os homens não mudam. Tu não tens filhos e tens um emprego. Faz as malas e vai-te embora.” E foi o que aconteceu.
Quem conta a história é Esther Perel, no livro ‘(In)Fidelidade: Repensar o amor e as relações’, explicando que, embora a nossa reação à infidelidade mude consoante a idade e a época, a traição existe desde que existe casamento, e continuará a existir. E a liberdade de abandonar uma relação não tornou a traição obsoleta.
Porque é que continuamos a trair? É que hoje exigimos tudo ao casamento: “Esperamos que o nosso companheiro nos ofereça estabilidade, segurança, previsibilidade, e ao mesmo tempo queremos que nos encha de espanto, mistério, aventura e risco”, nota Esther Perel. Hoje em dia, a exigência gera frustração, e ficamos transtornados quando o ideal romântico não se encaixa na realidade. “Não surpreende que esta visão utópica esteja a deixar para trás um exército de desencantados.” Resultado: a traição e a vida dupla acabam por retomar o seu papel de fuga à realidade.


A INEXPLICÁVEL TRAIÇÃO DAS PESSOAS FELIZES

Há muitos mitos em relação à infidelidade, explica Esther Perel: “Achamos sempre que é o sintoma de uma relação que correu mal. Os homens traem por tédio e medo de intimidade, as mulheres, por solidão e ânsia de intimidade. Os casos são sempre nocivos e jamais ajudam um casamento. A única maneira de restaurar a confiança é confessar a verdade e arrepender-se. O divórcio gera mais respeito que o perdão.” Foi isto que nos ensinaram, mas nem sempre corresponde à verdade.
Há muitos motivos que levam à traição, de uma rebeldia fútil a um grande amor. Tradicionalmente achamos que um caso é um sinal de alerta para um problema existente. Mas a infidelidade também acontece na ausência de problemas conjugais sérios. “As pessoas traem por inúmeras razões e sempre que imagino já ter ouvido todas, surge uma nova variação. Mas existe um tema recorrente: os casos como forma de descoberta pessoal, de busca por uma identidade nova (ou perdida).”

Um caso traz emoção a uma vida desgastada pela monotonia do casamento. E quebrar as regras sempre foi erótico.
Os homens usam muitas vezes a expressão ‘Foi só sexo’ ou ‘Não aconteceu nada’, mas a partir de que ponto é que algo ‘acontece’? Ter uma noite de sexo com alguém que não se volta a ver, ‘conta’? Passar os serões a trocar mensagens no Facebook, ‘conta’? O que parece ‘contar’ é a noção de que se está a trair a confiança do outro de alguma maneira.
A facilidade com que hoje se acede a sexo sem compromisso também ajuda (ou desajuda, conforme o ponto de vista). “Como dizia o comediante Aziz Ansari, com os telemóveis ‘Carregamos no bolso um bar aberto 24 horas por dia’. As oportunidades para a traição são mais que muitas. A net tornou o sexo acessível, barato e anónimo.”


A VERDADE É ÚTIL?
Imaginemos que tenho um caso com outra pessoa. A pergunta tradicional impõe-se: conto tudo e arrisco o fim do meu casamento, ou não conto nada e carrego com a culpa o resto da vida? A resposta é, adivinhe lá, depende. Segundo Esther Perel, há três perguntas que deve fazer: “Pergunte a si mesma se a decisão é honesta, se é útil e se é caridosa com a outra pessoa.”

A verdade pode provocar mais mal do que bem. Por vezes, respeitar o outro não é contar-lhe tudo, mas pensar no efeito que essas revelações vão ter.

“Antes de descarregarmos a culpa em cima do nosso companheiro inocente, devemos pensar em que bem-estar estamos a pensar.” Além disso, o que dizemos aos outros depende do que estamos dispostos a admitir a nós próprios: estamos sempre interessados em ficar bem vistos, mesmo para nós. Ninguém gosta de admitir que errou. E os outros nem sempre querem saber.
“Temos de perceber o que está para lá do caso”, explica Esther Perel. O que aconteceu realmente? “Andava à procura de uma aventura ou simplesmente aconteceu? Teria terminado tudo se não tivesse sido descoberto? Acha que deve ser perdoado? O problema é que muitas vezes a revelação, em vez de trazer paz, traz mais raiva e sofrimento.” E depois de um caso, partimos ou ficamos? “Quando um casal vem ter comigo no rescaldo de um caso extraconjugal, costumo dizer-lhes: o vosso primeiro casamento acabou. Querem criar um segundo?”

Nem sempre a revelação de um caso, seja à força ou de livre vontade, significa o fim de um casamento, embora a quebra de confiança seja um duro golpe. “Escolher ficar quando podemos partir é a nova vergonha”, nota Esther Perel. Quem não se lembra de Hillary Clinton, já há uns anos valentes? Depois de uma traição que correu mundo, foi enxovalhada universalmente por ter escolhido manter-se com o marido, e inclusive acusada de trair os seus ideais feministas. E é verdade que é difícil recuperar uma relação atacada. Mas o divórcio não é a única opção e não é sempre a opção correta. Mesmo que na altura estejam ambos magoados e furiosos (um porque se sente enganado, o outro porque acha que, se o fez, por alguma razão foi) o melhor é deixar a poeira assentar antes de tomar uma decisão definitiva. “A precipitação em optar pelo divórcio não dá margem ao erro, à fragilidade humana. Também não dá margem ao processo de reparação, superação e recuperação.”

Claro que uma reparação sólida não aguenta o peso de críticas e acusações, que anulam os entendimentos. Fazer-se de vítima também não vai ajudar, apenas aumentar o sofrimento e afastar ainda mais as hipóteses de reconciliação, perdão e recomeço.
Por outro lado, nem tudo é mau quando se engana outra pessoa. Há casos em que um terceiro interveniente desfaz uma relação pouco saudável, e a ‘traidora’ percebe que há um tipo de amor diferente da relação a que está habituada, e consegue quebrar os elos que, sozinha, não teria força para romper, dando-lhe coragem para se libertar de uma relação disfuncional ou que simplesmente já não funcionava. “Não se deve confundir estar preso com ser fiel”, nota Esther Perel. E nem todos os casamentos merecem ser mantidos: em Portugal ainda existe muito a tradição de se manter durante anos casamentos puramente de conveniência. Não nos separamos porque dependemos do outro (financeira ou psicologicamente), porque não temos coragem para enfrentar a família, porque não queremos admitir aquilo que vemos como um falhanço pessoal, porque não conseguimos viver sozinhas – porque temos medo.


ENFRENTAR PROBLEMAS

Há alturas em que o caso é uma oportunidade para descobrir o que está mal numa relação. E quando as traições são constantes, muitas vezes isso significa que os males que afligem aquele casamento continuam sem ser resolvidos. “Quando acontece uma segunda traição, as pessoas dizem ‘traiu uma vez, vai trair sempre’, como se quisessem confirmar uma falha de caráter. Mas por vezes, a explicação mais adequada é a de que o problema principal nunca foi enfrentado.”

Às vezes, depois de um caso é a primeira altura em que as pessoas conversam a sério. E algumas vezes os problemas de uma relação acabam por ser resolvidos. Mas isso não quer dizer que aquela traição tivesse sido a melhor coisa que aconteceu naquele casamento: seria preferível ter resolvido os problemas antes de causar sofrimento a outras pessoas.

“Como acredito que algo de bom poderá ser retirado da infidelidade, vejo-me regularmente confrontada com a pergunta: “Então recomendaria um caso extraconjugal a um casal que atravesse uma má fase?”, conta Esther. “A minha resposta é: muitas pessoas têm experiências transformadoras quando se debatem com uma doença terminal. Mas, tal como não recomendaria um cancro, não recomendaria um caso.”



A VIDA DEPOIS DO CASO

Há 3 casais pós-infidelidade (quando optam por ficar juntos): os Sofredores (que ficam presos ao passado), os Construtores (que se esforçam por recuperar das mazelas) e os Exploradores (que se erguem das cinzas para uma união melhor).
Tristemente, os primeiros são muito mais comuns, porque muitas vezes a pessoa traída e magoada está mais interessada em castigar o outro e exercer a sua vingança do que em voltar a estabelecer uma ligação.
Outras, traumatizadas com o que aconteceu, mantêm o parceiro à rédea curta. Mas como nota Esther Perel, não se pode cortar toda a privacidade ao ex-traidor. “Não podemos evitar que alguém nos traia novamente. Os nossos parceiros optam pela fidelidade ou pela infidelidade.
Se quiserem ser infiéis, não há no mundo vigilância suficiente que os possa deter.” Outras vezes, a descoberta do caso é mesmo o fim de um casamento.
Mas um divórcio não é necessariamente uma má notícia. “A nossa cultura encara o divórcio como um fracasso, mas o mais importante é ser feliz”, nota Esther Perel. “Um divórcio não é o fim de uma família: é uma reorganização.” Mas quer o casal se mantenha junto quer opte pela separação, é importante perceber o que aconteceu. Este processo pode culminar em raiva em vez do perdão: “Mas é uma raiva que mobiliza em vez de perpetuar a prisão da amargura”, explica Esther.
“Precisamos de prosseguir com as nossas vidas: ter esperança de novo, amar de novo e confiar de novo.” De qualquer maneira, se puder, evite enganar outra pessoa. Se precisa de emoção, encontre outras fontes. “Está demasiado em jogo para desperdiçarmos o nosso precioso tempo à procura das chaves nos sítios errados.”

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