Se lhe falassem de ‘responsabilidade social empresarial’, saberia o que significa? ‘O meu avô ainda acha que eu sou advogada’, afirma Rute Frazão Marques, directora-geral da Citizen Care, com uma gargalhada. ‘Sempre que me vê, pergunta: ‘Então como é que está o tribunal?”
E afinal a responsabilidade social é o quê?
É muito fácil de perceber: ‘Actualmente, cada vez mais empresas têm acções ou de solidariedade ou de intensificação da relação com a comunidade’, explica Rute.
Problema: sabem que querem fazer responsabilidade social mas têm uma ideia muito superficial do que é.
‘Sabem que algumas empresas pintam umas paredes de umas escolas e fazem umas campanhas de medicamentos e acham graça a isso. E então muitas vezes fazem acções dispersas, que não têm nada a ver com elas, desintegradas da sua área de negócios. Imaginemos uma empresa de construção civil: o que tem sentido é que construa algo, que dê a sua sabedoria, os seus materiais, as suas pessoas. Não tem sentido, por exemplo, que dê medicamentos para as vítimas do tsunami.’
COMO SER RESPONSÁVEL?
A Citizen Care ajuda-as precisamente a criar uma política de responsabilidade social. ‘Significa retribuir à comunidade aquilo que ela nos dá em termos comerciais. São acções que não têm feedback directo a nível de repercussão económica mas têm um retorno indirecto a nível da sua imagem. Vinculam a empresa à comunidade, aos accionistas, aos parceiros, aos fornecedores. E depois, uma empresa que seja responsável não é só uma empresa que faz acções de solidariedade, é uma empresa que trata bem os seus colaboradores.’
A EXPERIÊNCIA QUE VEM DE LONGE
A cidadania empresarial faz parte do novo mundo, em que a imagem das empresas surge cada vez mais ligada ao que podem fazer em favor da comunidade. Mas quando começou a trabalhar, Rute nem fazia ideia de que tal existia.
Com apenas 28 anos, já tem um currículo invejável e total domínio dos assuntos de que fala. ‘Queria ser psicóloga clínica, mas as únicas faculdades que não pediam Matemática para se entrar em Psicologia Clínica eram em Coimbra ou no Porto.’ Problema: a mãe opôs-se terminantemente a deixá-la sair de Lisboa. Solução: ‘Fiquei irritada e escolhi um curso completamente ao calhas’, lembra Rute. ‘Tinha média de 19, fui para Ciência Política e Relações Internacionais de olhos fechados. Era um curso novo, soava bem, até tinha um nome pomposo, um numerus clausus pequeno, e eu era preconceituosa e queria um curso exigente.’
Se não foi para Coimbra, foi um bocadinho mais longe. ‘Decidi ir para fora em todas as oportunidades que surgissem. Portanto, fiz Erasmus na Holanda, estive lá seis meses, e adorei. No estrangeiro, percebemos que sabemos muito mais do que os outros europeus, e, no entanto, continuamos a achar que eles são melhores do que nós.’
Quando voltou, trabalhou o mais que pôde para se sustentar. Em telemarketing, em exportação e importação, foi professora na Universidade Nova durante três anos.
‘Dei aulas a pessoas que tinham sido minhas colegas. E é muito complicado passar de ‘Ó Sónia, empresta-me os apontamentos’ para ‘Ó Sónia, importas-te de fazer menos barulho aí atrás?” Mas esperava-a um destino ainda mais longínquo: foi para Goa em estágio.
‘Foi giro, mas jamais voltarei a fazer seja o que for num país que não seja na Europa ou na América do Norte. Há pessoas que acham piada àquela espiritualidade, aos cheiros, às cores e aos pós, mas eu sou demasiado urbana. Senti-me muito sozinha, lia, lia, lia. Tinha imensos problemas com a comida, nunca encontrei nada à venda que não tivesse um prazo de validade expirado há pelo menos três anos. Andava na ‘acelera’ e saltavam-me sapos para o guiador. Aquilo, sim, era um filme indiano.’ Regressada do ‘filme’, ficou no gabinete de relações governamentais de uma agência. Ainda não tinha 22 anos. Três anos mais tarde foi para outra agência, fazer relações públicas com a indústria farmacêutica. Entretanto, foi criada uma empresa de responsabilidade social, a Citizen Care, e convidaram-na para a direcção-geral.
TORNAR O MUNDO MELHOR
Claro que em Portugal ainda não é fácil convencer as pessoas da importância da cidadania empresarial. ‘Ainda estamos num mundo profundamente comercial, em que, se não há ganhos imediatos, as pessoas não consideram isso um investimento. E muitas vezes a área da responsabilidade social está entregue às pessoas do marketing, que funcionam desta forma: tem ganhos a curto prazo? Se não tem, esquece.
Se lhes dizemos ‘Olhe que daqui a três anos as pessoas vão preferir o seu cliente porque ele investe na comunidade’, dizem-me ‘Três anos? Mas eu nem sei se estou cá nessa altura!”, explica Rute.
Apesar de tudo, as coisas já estão a melhorar: ‘Isto é uma espécie de evangelização, que leva tempo, e já está a ser criada neste momento a norma internacional de certificação de responsabilidade social.’ Rute sente que é um tipo de trabalho que a completa. ‘Todos os dias penso: ‘Se eu morresse, o que é que ficava de mim?’ Não tenho filhos, comprei uma casa mas são só paredes, no trabalho falariam de mim três meses e esqueceriam, e a minha salvaguarda, hoje em dia, é sentir que alguém beneficia com aquilo que eu faço.’
FAÇA COMO ELA
A responsabilidade social é uma área que ainda se está a desenvolver. O percurso mais directo para quem quiser segui–la é o curso de Comunicação Social, seguido de especialização. Algumas universidades já têm pós-graduações ou MBA em Responsabilidade Social.