“Se os porcos chauvinistas eram homens que tratavam mulheres como pedaços de carne, nós conseguimos superá-los ao tornarmo-nos Porcas Chauvinistas: mulheres que tratam outras mulheres e a si mesmas como objectos sexuais.” A autora desta polémica afirmação é a jornalista e escritora norte-americana Ariel Levy, que escreveu o livro ‘Female Chauvinist Pigs – Women and the Rise of Raunch Culture’ (sem edição nacional, pode ser livremente traduzido como ‘Porcas Chauvinistas – As Mulheres e a Cultura da Vulgaridade). Porquê tanta raiva? Levy argumenta que hoje são as próprias mulheres que aceitam e procuram uma imagem hiperssexualizada.


Mulheres machistas

A cultura porno está em todo o lado e foi banalizada, avança Levy. “Abro a televisão e encontro strippers explicando como fazer um lap dance que leve o homem ao orgasmo”, diz na introdução do seu livro. “Na minha própria indústria, as revistas, um novo género intitulado ‘Lad Mag’ (revistas masculinas), toma as bancas de jornais de assalto, fornecendo celebridades de corpos oleados arrastando-se pelo chão vestidas com trapos minúsculos.” Se o fenómeno estivesse só nos media, estava ela bem menos preocupada: “Mulheres que eu conhecia começavam a gostar de ir a clubes de strip feminino. Era sexy e divertido, diziam; era libertador e rebelde. A minha melhor amiga da Faculdade, que costuma ir a marchas Take Back the Night [protestos contra a violência sexual contra as mulheres] ficou cativada por estrelas pornográficas.” O que tinha feito a sociedade mudar tão subitamente? “Há apenas 30 anos, as nossas mães queimavam sutiãs e protestavam contra a Playboy e subitamente, os implantes mamários e o logo da Coelhinha são símbolos da nossa suposta libertação.” Mulheres comuns manifestavam-lhe o desejo de serem “mais um dos rapazes”, queriam experimentar a vida como um homem… e quem pensava de outra maneira estava a ser ‘careta’.

Os editores de revistas masculinas e de programas televisivos que Levy entrevistou para o livro contra-argumentaram dizendo que a liberdade com que as mulheres expõem hoje o seu corpo era a prova de que o feminismo tinha vencido. “As mulheres tinham chegado tão longe, ouvi, que não precisávamos de nos preocupar mais com a objectificação e a misoginia”, escreve ironicamente. “Estava na altura de nos juntarmos à festa da cultura pop em que os homens se divertiam há tanto tempo.”

Namoradas giras dão mais status

 

Maria do Mar Pereira, 26 anos, socióloga formada pelo ISCTE, que conclui em Inglaterra a sua tese de doutoramento sobre ‘Estudos de Género em Portugal’ na London School of Economics, conhece bem as teorias de Ariel Levy. “Ela escreve sobre coisas que, por enquanto, são muito específicas do contexto norte-americano e inglês. Mas isto não nos deve levar a pensar que Portugal está muito bem”, alerta. “Há formas de sexismo protagonizadas pelas mulheres. Mas não iria tão longe ao ponto de dizer que somos as nossas piores inimigas. Esse argumento pode ser usado para dizer que são as mulheres que têm culpa do estado das coisas e, por isso, não é preciso fazer nada.” No entanto, num aspecto concorda com Levy: estas manifestações trazem vantagens em forma de cifrão. Mas para a mulher comum também há contrapartidas, acrescenta Maria do Mar. “Muitas raparigas sentem que estas práticas dão poder porque as fazem sentir-se desejáveis e isso dá mesmo poder. Se esta nova identidade sexual feminina está na televisão, nos cartazes na rua, no metro, por que não mantê-la?! Por mais feministas que sejamos e queiramos encontrar alternativas de sensualidade é difícil criar novas imagens e parece natural comportarmo-nos assim, até porque desde pequenas nos convencem que ser sensual é apresentar-se desta forma.”

No seu trabalho de licenciatura, a investigadora voltou às escolas secundárias para descobrir como os adolescentes lidam com os conceitos de masculinidade e feminilidade. Descobriu muitas revistas masculinas nos recreios. “Pesquisei o discurso de algumas delas. Por um lado, é positivo por que há um grande investimento em explicar como dar prazer a uma mulher. Mais negativa é a maneira como as mulheres são fotografadas, os trocadilhos nas legendas, comentários como ‘Tens uma namorada gira? Então tira-lhe fotografias e manda-nos.’ Ou seja, as mulheres passam a ser mais um objecto que confere estatuto social – basta arranjar uma namorada com certas características.”

Mas as revistas masculinas não inventaram a ‘mulher-objecto’, ressalva a socióloga. “O que mudou foi a margem de manobra que a sociedade dá a estas manifestações. Antes, o que havia era pornografia, que não era legitimada socialmente.”

“Lá fora não são melhores”

“Quando digo que sou portuguesa, respondem-me que venho um país católico, atrasado em questões de igualdade de género, mas de facto eles que não estão melhor. Sinto que há muito mais abertura à actividade profissional feminina em Portugal do que em Inglaterra. A repreensão social, em relação às mães trabalhadoras, também é muito maior em Inglaterra – apesar das portuguesas trabalharem mais fora de casa porque são precisos dois salários. Em Inglaterra estão muito mais vulgarizados fenómenos como as despedidas de solteiro em bares de strip ou ginásios com aulas de pole dancing [mistura de dança e acrobacias num poste, normalmente executadas pelas strippers]. Há lojas que vendem kits destes para crianças de 11 ou 12 anos. Há muita roupa para esta faixa etária que é demasiado sensual e revistas destinadas a rapazes adolescentes de conteúdo chocante. Por outro lado, em Inglaterra não há tanto o hábito de comentar o que as mulheres fazem no espaço público, como aqui.”


Ser dama no Rap

Chama-se Elisabete mas gosta que lhe chamem Bete, Dama Bete. Aos 24 anos ela é uma das raras vozes femininas no hip hop português e em Junho de 2008 estreou-se com o álbum ‘De Igual para Igual’, editado pela Universal. Basta ouvir as letras de músicas como ‘Dama no Rap’ para perceber porque é que não foi fácil chegar até ali. “Se a artista tiver uma postura mais masculina, se o conteúdo das letras for mais agressivo, os homens aceitam mais facilmente. Vão dizer que tem mais atitude, que esta, sim, é que rima bem. Se as letras falarem de amor ou de temas mais femininos, são desvalorizadas.”

Para reunir outras mulheres que acreditam que o rap pode dar voz às causas femininas, criou o site ‘Hip Hop Ladies’. “Muitas raparigas diziam que eu estava a criar um movimento à parte. Têm problemas em serem vistas como feministas.” Quando denuncia o sexismo presente em algumas letras de hip hop, muitas são as vozes femininas que se levantam contra ela. “Como idolatram esses artistas, defendem-nos e nem sequer reparam que o conteúdo é ofensivo. Dizem que é só música, que podem apreciar apenas a parte instrumental …” Conte-se o número de vezes que rappers como 50 Cent repetem a palavra ‘bitch’ (cabra) referindo-se a mulheres, para perceber que Bete tem razão. O termo banalizou-se: quem assistiu ao reality show ‘The Simple Life’, já ouvia Paris Hilton chamar cabra a Nicole Ritchie (e vice-versa) de forma ‘carinhosa’.

Quando assiste a videoclips de artistas internacionais, onde várias mulheres dançam à volta do cantor, numa floresta de coxas, nádegas e seios, Bete não tem dúvidas: “É uma forma de machismo por que tratam as mulheres como objectos. Em Portugal já começam a aparecer coisas semelhantes.”


Quem tem medo das feministas?

As mulheres com menos de 40 anos cresceram a dar por garantidos uma série de direitos: votar, viajar sem pedir permissão ao pai ou marido, trabalhar fora de casa na sua profissão de escolha, ter filhos quando quiser. Mas a obtenção de alguns deles muito se deve aos movimentos feministas do século XX. Então, por que tanta gente se esquiva ao rótulo de ‘feminista’, diz que é um movimento ultrapassado ou vê os seus partidários – também há homens feministas – como radicais?

“Há a ideia que o feminismo vê o mundo como estando dividido entre os homens, que oprimem, e as mulheres, que são vítimas. Mas as coisas não são assim”, observa Maria do Mar Pereira. “É com muita pena que vejo muitas figuras públicas, que são exemplos extraordinários, que não aceitam o sexismo mas que, logo de seguida, negam serem feministas. Quando uma pessoa se propõe a falar publicamente como feminista, tem de dizer que até tem sentido de humor, que até gosta de sexo ou que, por acaso, até é heterossexual. Em família, acham um pouco vergonhoso que nos assumamos como feministas. Nos grupos de amigos, o feminismo é posto em causa, por vezes de forma agressiva. Nos media, os feministas são caricaturados. Nas escolas e universidades ainda há a ideia de que autoras feministas são fundamentalistas.”

A má reputação actual pode até ter a ver com o medo da mudança e alguma ignorância – o feminismo não é a supremacia da mulher em relação ao homem, ao contrário do que muita gente pensa. Além disso, lembra a investigadora, o poder ainda está centrado em mãos masculinas. “Os cargos de responsabilidade política, económica e cultural ainda são homens e claro que não vão acordar um dia de manhã a pensar que vão abdicar dos seus cargos para os dar a mulheres igualmente qualificadas. Tudo o que se possa fazer para parodiar e descredibilizar o feminismo é mesmo feito.”

 

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