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Foto: Sandy Ramirez

Em Portugal, aos 50 anos as pessoas são consideradas velhas, mas em Nova Iorque não é assim, podemos começar uma vida nova a qualquer altura, basta ver a senhora do balcão da Chanel nos armazéns Bloomingdales, seguramente com mais de 80 anos”, conta Luísa Fernandes, 59 anos, ao telefone do seu apartamento em Nova Iorque. Se a idade não é um obstáculo, a competição é feroz: “Nova Iorque é uma cidade que não perdoa. As pessoas têm de saber fazer, senão passada uma semana são despedidas.” E Luísa Fernandes, ou chef Luisinha como é chamada pelos mais próximos, gaba-se de nunca ter sido despedida de lado nenhum. Diz que veio ao mundo com a tenacidade nos genes e talvez uma estrelinha da sorte. Aos 49 anos, teve coragem para construir uma vida nova a partir do nada. Enfim, não exatamente do nada. Havia o seu talento culinário e a confiança nele, a personalidade exuberante e o otimismo inato. Ainda assim, família e amigos diziam-lhe que era uma loucura com a sua idade ir perseguir sonhos de sucesso em Nova Iorque, depois de uma vida como enfermeira e dona de um restaurante em Lisboa. Nem sequer inglês falava, um metro e meio de gente… O segredo foi mesmo esse, não querer ser igual a ninguém. Os americanos sempre gostaram de heróis improváveis.

 O sonho americano de Luísa
“As pessoas dizem que tenho uma estrelinha. A verdade é que ao fim de sete dias em NY estava a trabalhar. Não tinha ‘visto’ e mal falava inglês, mas sabia que em Nova Jersey, a 15 minutos de comboio, se falava português. A minha filha deu-me a morada de três restaurantes portugueses. No primeiro, disseram que não. No segundo, o Alfama, quando entrei ficaram a olhar para mim porque nessa semana se tinha despedido a chef de pastelaria. E contrataram-me.”

Só que o sonho americano de Luísa não era ser emigrante, era vencer em Nova Iorque: “Não queria trabalhar num restaurante português, queria trabalhar para americanos em sítios americanos, ser americana. Isso não saía da minha cabeça. Fui conhecendo os restaurantes, cresci muito, estudei, a minha casa está cheia de livros de cozinha”, conta. E foi conhecendo pessoas, fazendo amigos. Passou por outros restaurantes, como o Galitos, o Park Blue, o Nomad. E um dia… “Um senhor veio falar comigo, no restaurante, e sugeriu-me que entrasse num concurso de chefs na televisão, o ‘Chopped’. Deixou-me os papéis e nunca mais o vi. Foi um anjo desconhecido. Já perguntei por ele a toda a gente do concurso, mas ninguém sabe quem é. Decidi concorrer, claro. A minha filha dizia que eu não falava inglês para ir a um concurso de televisão, mas eu respondi, ‘mesmo que não consiga dizer nada, vou ver aquilo do lado de dentro’.” E foi. “Na entrevista, fiquei assustada, confesso. Era um estúdio enorme, cheio de luzes e projetores, com muita gente a andar de um lado para o outro com câmaras e cabos. Puseram uma cadeira alta no meio, e eu, baixinha, ficava com os pés pendurados, mas fiz logo uma brincadeira com o meu ‘funny english’ e disse ao cameraman para fazer um ‘cut’ na minha barriga… a diretora de casting achou-me graça e fui escolhida. A minha família dizia ‘já ganhaste em participar, não fiques triste por não ganhar’. Sabem que não gosto de perder, nem a feijões! Eu argumentava ‘a gente nunca sabe, a minha comida é boa’… No concurso havia dois chefs mais novos, um deles bateu-me com a mão nas costas e disse algo como ‘a avozinha veio cozinhar para nós’. Aquilo deu-me cá uma força! – ‘deixa que vais ver!’. E ele foi logo o segundo a sair! Quando o vi cozinhar, percebi que aquilo estava ganho, eu era melhor. ‘Vou ganhar isto’. E ganhou, dez mil dólares e direito a ser a primeira mulher europeia a vencer uma edição do concurso que passa no canal Food Network. Os telespetadores também gostam de heróis improváveis, sobretudo quando têm bom humor, como Luísa. “Ainda hoje, e já lá vão três anos, me reconhecem na rua, porque o programa continua a passar.”

De enfermeira a dona de um restaurante em Lisboa
O que leva uma mulher de 49 anos a emigrar para NY com uma mala de roupa e um sonho? No caso de Luísa, um filme.  “Aos 13 anos, quando vi o ‘New York’, com a Liza Minelli, soube que tinha de vir para esta cidade, mas nunca consegui convencer o meu marido. Durante 30 anos fui enfermeira no Amadora-Sintra. Quando me divorciei, tentei convencer os meus filhos, mas eles estavam no remo de alta competição e tinham os amigos, não queriam. E pronto, tive de esperar que eles crescessem…”

 Mas não esperou sentada. Pôs o avental e começou a dar forma a outro sonho: abrir um restaurante. Foi assim que surgiu o Tachos de São Bento, em Lisboa. “Trabalhava de manhã no hospital e à tarde no restaurante, que foi ganhando popularidade graças ao boca a boca. Iam políticos, médicos, artistas. Sou conversadora e fiz muitos amigos.” Cinco anos mais tarde, já reformada, veio uma fase difícil. “O senhorio quis aumentar a renda e saiu uma lei que obrigava os restaurantes a terem condições que o meu não podia ter, por falta de espaço. Vi que aquilo não ia continuar e não tinha dinheiro para ir para outro lado. Custou-me muito fechar o restaurante, o sonho de uma vida, mas Nova Iorque continuava na minha cabeça, estava reformada, os filhos estavam crescidos… é agora ou nunca. A minha filha dizia que era loucura, quer dizer, toda a gente achava que era loucura. Mas uma cliente do restaurante falou com uma amiga a viver em NY que me podia alugar um quarto, e eu decidi mesmo partir.”

“Estou pronta para o Japão”
Vencer o concurso ‘Chopped’ deu a Luísa ainda mais confiança para prosseguir o sonho americano. “Sei que quando vou a uma entrevista as pessoas olham para mim – baixinha, gordinha, com 59 anos – e a cara delas é de descrença.” Isso mesmo aconteceu quando foi a uma entrevista para o luxuoso restaurante Robert, no topo do edifício do Centro de Arte Moderna, em NY. “Tinham tido seis chefs em três anos, e eu vi na cara deles ‘se os outros não aguentaram, como é que ela vai aguentar?’. Achei que não me voltavam a chamar, mas um dos patrões não se esqueceu da minha personalidade e num jantar de amigos comentou que tinha entrevistado uma portuguesa. Por sorte, entre os amigos estava o dono do Mezzaluna, em Lisboa, que tem uma casa de sanduíches portuguesas em NY. Ele ajudou-me a conseguir a segunda entrevista porque disse ‘se andasse à procura de um chef, contratava-a, é lutadora e trabalhadora’. E ligaram-me no dia seguinte para ir fazer um teste com 15 pratos. Ao fim do nono, estava contratada. Fiz comida portuguesa, faço sempre, inclusivamente uns filetes de sardinha com arroz de tomate, claro que não lhe ia chamar arroz de tomate, chamei-lhe risoto de tomate.” E mesmo estando sem trabalho há 5 meses, quando lhe perguntaram porque deviam contratá-la, disse: “Sei que sou a chef que procuram. Deixem-me trabalhar uma semana e contratem-me depois…” E assim foi.

Luísa Fernandes está no Robert há um ano. Sente-se, finalmente, americana. Continua a entusiasmar quem se cruza com ela e nunca perde uma oportunidade de promover os produtos portugueses. “O Mayor sabe a minha história, a Isabella Rosselini e o Robert Redford são clientes habituais, há três semanas tive cá o Abramovich para um brunch… Mas o que gosto é mesmo o dia-a-dia. Se estão portugueses numa mesa, vou logo falar com eles.” E é feliz? “Antes, queria abrir um restaurante, mas aqui tenho mais liberdade e menos preocupações. Estão todos apaixonados por mim, não me falta nada. Dizem que tenho uma estrela, mas tenho altos e baixos como toda a gente. Quando estive sem trabalho, saía de casa às 9 e ia a todo o lado, falava com toda a gente. Sei do que sou capaz. Dizem que Tóquio é como NY, há trabalho mas é difícil vencer lá. Eu estou pronta para tudo, até para ir para o Japão…” Nós acreditamos.

 

No speak!
“Eu tinha a mania que conseguia chegar e falar inglês porque sabia muitas palavras, mas quando cheguei não percebia uma palavra, só ‘yes’ e ‘no’, isso traumatizou-me um bocadinho. Abri uma conta no banco, fiz um contrato de telemóvel com o meu pobre inglês e até aluguei uma casa, mas quando foi para passar o cheque da renda tive de ligar à minha filha, ‘olha, afinal, aqui sou uma analfabeta, consigo escrever os números no cheque mas não sei como é que se escreve por baixo’. E ela foi-me soletrando ao telefone… Depois arranjei um caderno, onde escrevia todas as palavras que ouvia, à minha maneira.”

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