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Marcello Simoni foi bibliotecário e arqueólogo, é apaixonado pela Idade Média, e é o novo menino bonito dos romances históricos. ‘A Abadia dos Cem Pecados ‘ (Clube do Autor, €17,50) leva-nos até 1346 num romance movimentado, onde um cavaleiro parte em busca de uma relíquia e uma abadessa tenta ajudá-lo. Fomos conhecê-lo.

– Estudou letras, é bibliotecário, foi arqueólogo… o que é que todas essas actividades lhe ensinaram?

Já desde que criança que sabia que as disciplinas científicas não eram para mim, por isso licenciei-me em literatura moderna e depois trabalhei como biliotecário durante 10 anos, altura em que comecei a escrever. Como arqueólogo participei em várias escavações, e também catalogava o material que era descoberto e publicava os resultados em revistas científicas. Todas estas actividades foram muito formativas. Sobretudo a arqueologia, que me legou o fascínio pelos pequenos objectos. São objectos sobre os quais os livros de História nunca nos falam, mas são muitas vezes aqueles que inspiram grandes narrativas. Por exemplo, o seu colar, nunca um livro de História falaria dele, mas seria um ponto de partida muito interessante para um romance.

De que parte para escrever os romances? Da personagem, do cenário, da história?

Depende do livro, geralmente construo romances que rodam em torno de uma personagem. Durante a pesquisa, analiso o tipo de cenário em que posso colocar essa personagem. Na ‘Abadia dos Cem Pecados’, parti muito da envolvência, e da forma como as personagens da história interagiam umas com as outras. É como uma trança feita de vários fios.

Já se interessava pela Idade Média?

Sim, é uma paixão que tenho há anos. Mas a Idade Média é um período muito longo, e para mim é impossível concebê-lo como um só período histórico. A mim interessa-me sobretudo a parte que vem depois do ano 1000, quando houve de facto um renascimento do pensamento. Foi um período muito estimulante, porque os homens eram então muito inteligentes. Com pouco faziam muito. Pessoas como Marco Polo ou Santo António fartaram-se de viajar sem saber o que encontrariam no fim do percurso. Eram de uma coragem hoje quase impossível de imaginar.

É isso que a Idade Média tem para nos ensinar, a coragem?

Sim, e também que todos nós somos donos do nosso destino. Se hoje pensamos como pensamos, é graças aos monges que descobriram e traduziram Aristóteles: o seu pensamento condicionou não só pensamento laico como o de religiosos, e condicionou todo o pensamento moderno.

É daí que vêm as nossas raízes?

As da Europa, absolutamente. Não concordo com o que dizem no Vaticano, que as raízes da Europa são cristãs. As raízes da Europa estão em Roma. As primeiras estradas que juntam toda a Europa são as estradas do exército romano. E todas as nossas línguas são irmãs, são da mesma família, e estas línguas formaram-se na primeira parte da Idade Média.

Fazer investigação para um romance histórico não tira parte da graça quando se está a escrever?

Não, importa escolher o mais interessante e fazer passar o resto por trás. Uma monja de 23 anos que vive aterrorizada pelos homens, permanece interessante durante todo o livro.

Já sabia que ia ser uma trilogia?

Não, eu queria que fosse um romance único, mas daria mais de 900 páginas, portanto os editores acharam por bem dividir a história.

Qual é a atracção do passado? Por que é que gostamos tanto de romances históricos?

Porque o passado afasta-nos das chatices do dia a dia, afasta-nos do trânsito, do barulho, dos problemas, do som do telemóvel que toca, do telejornal, e de tudo o que torna a nossa vida insuportável. No passado, podemos ser quem quisermos.

Qual foi a parte mais difícil de escrever?

Foi entrar na cabeça das personagens femininas. O herói é um homem, um cavaleiro, mas uma das personagens principais é uma mulher inteligente que, em pleno mundo misógino que controlava toda a vida das mulheres, não quer deixar-se controlar pelos homens. Percebi que talvez tivesse conseguido quando comecei a receber cartas de leitoras que se identificavam com a monja Eudeline.

É ela a sua personagem preferida?

Não, as minhas personagens preferidas são sempre os maus (risos). Adoro maus. Sou fã de Dexter, e neste livro o mau é um Cardeal. Quando pensamos hoje em cardeais temos uma imagem de um homem gordo e faustosamente vestido. Mas à época, os cadeias eram educados como religiosos mas também como cavaleiros. Neste romance, o cardeal é um velho, e já acumulou tantas frustrações que quer continuar a comportar-se como um jovem e a encontrar a relíquia mágica. Os velhos, quando são maus, são muito piores do que os novos, porque têm ainda aquela amargura de já não lhes restar muito tempo. Outra personagem de que gosto muito é um jovem pintor, Gualtiero, que tem imensa vontade de criar e que tem imenso talento mas ainda não tem experiência, e que me lembra muito a mim próprio em novo.

O herói, Maynard de Rocheblanche, é um verdadeiro super-herói, aliás todo o livro dava um filme…

Sim, estou a ver Clive Owen nesse papel (risos). Maynard é um grande cavaleiro, um homem de grandes ideais, que quando promete uma coisa, prefere morrer a trair essa promessa. Para ele, uma vida sem honra não vale a pena ser vivida, vive sempre segundo os seus princípios. Hoje já não temos essa coragem, já não vemos isso em lado nenhum, a começar pelos políticos. Se ainda restam algumas pessoas assim, são muito preciosas.

A relíquia que todos eles procuram é mesmo importante ou é só uma maneira de fazer avançar a acção?

A mim não me interessa nada se Jesus morreu na cruz ou se fugiu com Judas, a mim interessa-me o exemplo de vida que deu. Acho o culto das relíquias uma das coisas mais estúpidas e inúteis do mundo, porque para mim a fé é transcendência. Neste romance, a relíquia é aquilo que une as personagens, mas mais do que isso, é um símbolo de qualquer coisa que desejamos muito.

Quem é a primeira pessoa que lê os seus romances?

A minha mulher. Ela é muito boa leitora, é muito objectiva, e consegue perfeitamente separar o escritor do marido. Graças a ela, sou capaz de apurar muito mais a minha escrita.

Costuma ler romances históricos de outros autores?

Não, leio pouquíssimos romances históricos, porque 90% deles são muito aborrecidos. Acho que se dá muita importância à história e muito pouco às personagens. Um dos erros principais dos escritores históricos são descrições muito longas, que não servem para nada. Há histórias belíssimas, que de repente metem parágrafos longuíssimos a debitar acontecimentos históricos, só para mostrar que sabem. Ora isso só chateia o leitor. Temos de fazer autocrítica e perceber se isso serve verdadeiramente a história. Por isso é que eu só faço descrições e explicações muito ligeiras, quando é preciso, porque um romance histórico não deve deixar de ser um romance.

O que é que gostava de dizer aos leitores portugueses?

Que continuem a ler. Leiam o mais possível. Quanto mais se lê, mais nos tornamos livres. Podem tirar-nos tudo, menos o que temos dentro da cabeça, como dizia o Abade Faria do ‘Conde de Monte Cristo’. Que por acaso era português.

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