Mal tinha idade para saber o significado da palavra paixão e já estava tomada de amores pelo rapaz que vivia perto de casa. Nicole Pereira tinha apenas 12 anos quando teve o primeiro namorado. Diz que em pouco tempo ficou cega de amor e em menos tempo ainda passou a ser refém de alguém que pouco amor tinha para dar.
“Não me dava amor, não me dava carinho. Eu não sabia o que era ter amor nem carinho de uma pessoa mas eu só tinha amor por ele.”
Foi uma questão de tempo para que as agressões se tornassem rotina. Foi espancada, queimada com cigarros, insultada e pouco ou nada lhe era permitido fazer. A cada dia que passava perdia a independência. Começou por ser afastada dos amigos, deixou de ter telemóvel, não podia vestir o que gostava nem usar maquilhagem e até ir para a escola era um problema. Um dia esperou por ela ao portão da escola e rasgou-lhe os livros. Ela tinha medo, medo do que ele ameaçava fazer. A família julgava que estava nas aulas mas passava os dias em casa do namorado, debaixo do olhar controlador.
Aos 13 anos engravidou. O pai ficou revoltado com a notícia e Nicole acabou por ir viver para a casa dos pais do namorado. Foi uma questão de tempo até lhe ser vedado o contacto com a família.
“Vivia num sufoco sem poder falar com ninguém, calada. Tinha de fazer as limpezas lá em casa, fazer o almoço, fazer tudo para não arranjar problemas lá em casa mas ele arranjava sempre um motivo para me bater.”
Se lhe perguntassem se estava bem respondia sempre que sim, não tinha coragem para desabafar todo o sofrimento que tentava esconder. As agressões galopavam para um nível em que sentia que a vida já estava em risco. Um dia foi espancada de tal forma que chegou a desmaiar. Mesmo assim não perdia a esperança de encontrar a felicidade ao lado do rapaz que lhe roubou a juventude.
“Eu vou ser feliz, eu vou conseguir superar tudo e vamos ser felizes”.
A filha nasceu e com ela veio a força para por um ponto final numa relação. O amor de mãe falou mais alto. Pediu ajuda à irmã e em pouco tempo, com a ajuda da APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima), saiu da casa que até hoje lhe traz as piores recordações. Um sítio onde diz que nunca foi feliz, nunca foi amada, respeitada ou considerada. Tinha 14 anos quando decidiu o que não queria mais para a sua vida nem para a vida da filha. Em tribunal ficaram provadas as agressões e a sentença ditou pena suspensa com uma medida de afastamento e uma indemnização. Um ponto final na história. Hoje vive outra história, feliz, onde a violência não tem espaço para existir.
“Agora sei o que quer dizer carinho e amor. Agora sei o que é ter uma pessoa que me ama e que me deixa fazer o que me apetece. Ter os meus sonhos, as minhas meninas, ser feliz com elas e o meu marido, tudo muito diferente.”
Nicole tem agora 21 anos, casou e teve mais uma filha. Continua a viver na vila açoriana de Rabo de Peixe em São Miguel com a família. Decidiu partilhar a violência no namoro da qual foi vítima para que outras jovens não sofram aquilo que um dia sofreu.
“Eu digo a quem estiver a passar por isso que se liberte, fuja disso porque não nos traz nada, isso não é futuro para nós, não é nada. Eu tento pensar por que não fui pelos conselhos da minha família mas não consigo perceber. Estava cega, julgava que ele era o único no mundo, mas não, estava enganada.”
Agora sabe que nunca é tarde para inverter o sentido de uma história. Antes de qualquer história de amor a dois, a mais importante é a do amor próprio.
#esefosseconsigo?