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© Toru Hanai / Reuters

Mesmo que não tenhamos nunca visto um Pokémon à nossa frente no meio da rua do costume, já toda a gente ouviu falar nele. É divertido, pró-activo, tira os ‘gamers’ de casa, transforma os ‘geeks’ em pessoas sociáveis, cria ocasiões para o convívio, e recorda a criança que fomos ou a criança há sempre em nós. Desvantagem: a desatenção ao mundo real e a acumulação de gente. Os ‘caçadores’ já foram confundidos com ladrões, já morreram afogados ou atropelados, já atraíram pessoas para as roubarem. Em Portugal o povo é pacífico e ainda não aconteceram desastres de maior, e planeia-se mesmo actividades como passear cães sem dono (reais) enquanto se procuram bonecos virtuais.

Não parece a ameaça apocalíptica que os seus detractores pintam. De qualquer maneira, o Pokémon Go pode ser um bom pretexto para pensar sobre o tipo de sociedade em que nos estamos a tornar. Muito disto é especulação? Sem dúvida. Mas mal não faz se nos habituarmos a reflectir sobre o que se passa. Por isso, falámos com o psicólogo António Norton, que nos ajudou a perceber melhor que tipo de mundo estamos a criar (ou não).

Já vivemos cada vez mais no mundo virtual?

Pois vivemos, e isto vai tendo custos cada vez maiores. Por isso é que é importante refletirmos um pouco sobre o que está a acontecer. Esclareço que isto é apenas a minha opinião, mas é inegável que somos cada vez mais ‘homo virtualis’. E isto é progressivo. Vivemos metade da nossa vida na dimensão real e outra na dimensão virtual. Vamo-nos adaptando a uma intrusão virtual que é muito apelativa e muito viciante.

E isso é bom ou mau?

Claro que tem dimensões positivas, e outras menos positivas. Ou seja: há alturas em que temos de estar no aqui e agora real. Seria impensável que eu estivesse com um paciente e ao mesmo tempo a pôr mensagens ou ‘likes’ e a apanhar Pokémons. No mundo virtual, a nossa capacidade de atenção reduz-se. É como se não estivéssemos inteiramente presentes, e não estamos na posse das nossas capacidades para reagir aos desafios da realidade. Isso não significa apenas que vamos a atravessar a estrada e podemos ser atropelados. Tem consequências ao nível da forma como vivemos a vida e como nos tornamos pessoas. Por exemplo, se eu combino com uns amigos jogar paintball, nós vamos para um campo específico, e durante algum tempo restrito todos nós estamos ali. Acaba aquele tempo e vamos à nossa vida. Com os Pokémons, o campo de batalha estende-se ao mundo inteiro. E portanto, estas pessoas interferem na minha realidade. Se têm acidentes de carro, estão a invadir o meu mundo.

Mas não se trata apenas de uma brincadeira, uma forma de fantasia inocente?

Não é tão inocente como parece, porque existe ainda a questão da alienação. Claro que todos nós humanos precisamos de fugir à realidade. Isso é saudável, e a arte, num certo sentido, também é isto. O problema é quando essa fuga à realidade se transforma num objectivo de vida. Que dimensões da minha vida é que estão a ficar para trás, é que estão desnutridas, quando a minha vida é a virtual? Viver é difícil. E por vezes é aliciante que a vida seja mais simples e mais compensadora, porque no Pokémon Go o reforço é imediato. Se eu tiver à minha frente o meu companheiro ou companheira, com quem as coisas não estão bem, e eu em vez de enfrentar os meus problemas prefiro ir caçar Pokémons, então não estou a lidar bem com a minha vida.

Mas esta alienação não é de hoje, pois não? Antes dos Pokémons já havia viciados em jogos, já havia gente a mandar SMSs enquanto guiava, por exemplo…

Claro que isto não é de hoje. Já tive pacientes a dizerem-me que a vida sexual não estava boa, e em vez de falarem com o outro, estavam preocupados com a reserva de cereais do Farmville, lembra-se? Isto não é inocente, isto não é só um jogo, e isto não nasceu com os Pokémons. Quando as pessoas morrem a tirar selfies dentro de carros, o que é que está a acontecer? É como se as pessoas não se permitissem estar no aqui e agora e precisassem de uma dimensão de constante recompensa. Isto é muito perigoso. Porque é uma droga, e estamos a criar uma geração que vive disso. A vida não é feita de contínuas recompensas. Então eu vou estar aqui a ouvir o meu pai chagar-me a cabeça por causa das notas, ou vou tirar selfies?

Há quem diga que o jogo tirou os ‘gamers’ de casa…

É verdade. Mas de que forma usufruem a cidade? Eles vêem a cidade através de um écran. Eles vêem pessoas, mas também bonecos, porque para eles a realidade tem de ser mais do que a realidade, como se a vida por si só não fosse suficientemente estimulante. E esta intrusão da realidade virtual vai acontecer cada vez mais. Os meus filhos vão brincar com bonecas virtuais em vez de bonecas físicas. Qual é a diferença? Toda! Toda a diferença do mundo! Nada suplanta a dimensão real de uma coisa, de uma pessoa, nunca! É como dizer que se prefere fazer amor com uma boneca virtual!

Bem, se for ao Japão já é isso que acontece…

Precisamente. Mas pense lá, de onde é que vem o Pokémon, os Tamagotchis, e muitos desenhos animados? Isto é muito interessante. Porque estamos a falar de uma cultura altamente avançada, mas altamente alienada, uma cultura tecnologicamente brutal feita de gente que vai para cabines individuais cantar. E não é à-toa que eles são tecnologicamente tão evoluídos: é que o avanço relacional é muito pobre. E portanto têm de fabricar compensações e estratégias para lidar com essa falta. Portanto, nós não podemos dizer que o Pokémon é só um jogo que agora está na berra e daqui a uns tempos vai desaparecer. Temos de reflectir sobre o mundo que temos e o mundo que queremos. E para reflectir é preciso parar. Porque se estamos continuamente com um pé aqui e outro pé noutro mundo, estamos em constante fragmentação, nunca estamos em sítio nenhum.

Daí depois contra-estratégias como o Mindfulness, que tentam chamar as pessoas à realidade, ao aqui-e-agora, ao presente, à atenção…

Claro que sim. Essas forças contrárias, que tentam trabalhar o momento presente, são importantes, mas serão o bastante?

Há limites para a fragmentação?

Não sei. Nós humanos somos extraordinariamente inteligentes, temos uma capacidade enorme para a transcendência, e não sei qual é o limite do virtual. Temos é de perceber que estamos cada vez mais sozinhos, mais isolados, mais solitários, e estamos a construir estratégias para lidar com isso que não nos ajudam enquanto seres humanos.

As pessoas acreditam que estão a preencher os seus vazios?

Quando provavelmente não estão. E esta dimensão de alienação torna-se cada vez mais totalitária. Há muitas pessoas que saem do trabalho, vão para casa e ficam em casa a jogar. E é isto que fazem na vida. Guiar é tão chato que temos é de mandar selfies. Passear é tão chato que tem de haver bonecos. E depois temos as consequências que se sabe. Por isso é tão importante que as pessoas estejam disponíveis para reflectir sobre isto. Não se trata de criticar. Trata-se de tentar entender. Até posso eu mesmo achar divertido apanhar Pokémons, mas esse não deve ser o objetivo da minha vida. E não tenho dúvidas nenhumas de que há por aí muita gente neste momento a apanhar aviões para ir caçar Pokemons.

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