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Uma amiga minha, a Mariana, teve uma história comum a muitas pessoas: durante anos saltou de relação em relação. A certa altura, um dos ‘deixados’ atirou-lhe: ‘Não consegues gostar de ninguém porque não gostas de ti.’’ Se a Mariana fosse fã de livros de autoajuda ou de anúncios de leite, isto era uma coisa que já teria lido, mas ela não era de ler nada. Revirou os olhos e ficou a vê-lo afastar-se com os seus vinis debaixo do braço. E só muito depois é que lhe bateu que aquilo, embora um lugar-comum, fazia sentido. Também percebeu que, se queria dar a volta à vida, ia ter trabalho. Resolvi seguir os passos dela: falar com alguém que percebesse mais do assunto e fazer a mesma pergunta. E então, é preciso gostar de nós para gostar dos outros? Resposta: parece que sim. “Uma pessoa que não está bem consigo, não vai estar bem com ninguém, reclama com toda a gente, e a culpa é sempre dos outros”, nota a psicóloga Catarina Lucas, autora de livros como ‘Crime e Sexualidade’. “Isto são sinais de falta de amor-próprio.”

A culpa, na maior parte das vezes, foi dos nossos pais. Somos treinados desde pequenos para amar os outros (enfim, quando somos), mas os pais continuam a saltar a primeira lição: ensinar o filho a amar-se primeiro a si próprio. Ou, como nos ensinam nos aviões, a pôr primeiro a máscara de oxigénio a nós próprios.

Claro que os motivos para não pôr a tónica no amor-próprio são nobres: não querem que a criança se transforme num adulto egocêntrico que trata toda a gente como se fosse a última bolacha do pacote. Então retiram-lhe a autoestima, criticam-no, para ele não ficar a achar que é especial, e resultado: ele transforma-se num adulto egocêntrico que trata toda a gente como se fosse a última bolacha do pacote.
Verdade: estamos a melhorar muito. “Mas os pais portugueses ainda são muito críticos”, defende Catarina Lucas. “Continuamos, desde pequenos a ser treinados para a baixa autoestima. Isto é terrível. Quando temos autoestima, dizem ‘olha este deve ter a mania’. E somos educados para sermos humildes, para não nos destacarmos, para não nos elogiarmos. Também não elogiamos os outros.” E somos orientados para que o nosso amor-próprio dependa do amor dos outros.

Aprender que somos capazes

Más notícias: o amor-próprio às vezes parece o coelho da Alice, que ninguém consegue agarrar. E se não estragamos as crianças de uma maneira, podemos sempre estragá-las por outra. “Há por outro lado uma excessiva tónica na felicidade das crianças”, explica a psicóloga Cláudia Morais, autora de livros como ‘O Amor e o Facebook’. “Isso não tem nada de errado. Mas o que acontece em alguns casos é que a criança é superprotegida, não é exposta à contrariedade e à frustração, e a dor, que é dos sentimentos que mais nos transforma, é-lhes negada.”

Mas a superproteção não parece ir contra o amor-próprio. “O que acontece é isto – explica Cláudia Morais – as crianças precisam de aprender a lidar com a tristeza sem que sejam os adultos permanentemente a resolver-lhes a vida. Uma criança que não tem desafios, que nunca é posta à prova, não aprende que é forte, que é capaz de superar-se, não aprende a valorizar as suas próprias capacidades e não desenvolve o seu amor-próprio. Tenho pacientes que, não tendo sido vítimas de abusos de nenhum modo, não sendo capazes de identificar acontecimentos negativos na sua infância, são adultos sem nenhuma autoestima.”
Boas notícias: tendo sido negligenciados por defeito, apaparicados em excesso ou reduzidos à insignificância para sobreviver na matilha, é sempre possível recuperar o amor-próprio que nos escapou. Vai é dar trabalho. “É uma coisa que se treina”, explica Catarina Lucas. “Às vezes peço às pessoas para me escreverem uma lista das suas qualidades e defeitos. E normalmente há uma lista enorme de defeitos e uma ou duas qualidades.”

Temos dificuldade em identificarmos aquilo que temos de positivo porque desenvolvemos o hábito de nos compararmos. “Definimo-nos por comparação”, explica Catarina Lucas. “Problema: saímos sempre a perder. Porque há sempre alguém mais bonito ou mais inteligente que nós. A comparação é um mau negócio e é sempre injusta à partida.”

Do ‘self-love’ às selfies

Missão amor-próprio.

Passo 1: ser mais relaxada comigo própria.

Passo 2: perceber que a culpa foi dos outros.

Passo 3: não me comparar. “O amor-próprio deve ser intrínseco, não deve depender do julgamento de outros nem de comparações nossas”, explica Catarina Lucas. “Deve ser um estado de espírito.” Uma pessoa confiante numa área também pode sentir-se frágil noutras. “A autoconfiança não é condição suficiente para ter autoestima”, explica Cláudia Morais. “Eu posso ser muito autoconfiante na minha profissão e muito insegura nas minhas relações amorosas. Eu posso desenvolver determinadas aptidões que me deem confiança naquela área mas não noutras. Posso ser muito boa a matemática, mas ter dificuldade em arranjar um trabalho em que isso seja relevante. Sei que sou boa, mas não consigo vender-me.”

Passo 4: distinguir amor-próprio de egocentrismo. Queixamo-nos de falta de autoestima mas vivemos na era das selfies. Afinal temos falta de autoestima ou excesso de autoestima? “As selfies não têm rigorosamente nada a ver com autoestima, embora muita gente pense que sim”, nota Cláudia Morais. “Diz-se que os jovens são mais narcisistas. Mas os estudos dizem que o número de selfies que uma pessoa tira não está de nenhuma forma relacionado com a probabilidade de se ser narcisista.” Enfim: há uma correlação mínima – mas apenas nos homens. “As mulheres tiram muito mais selfies, mas isso não significa que sejam narcisistas. Já nos homens que publicam muitas selfies, essa relação existe.”
E as mulheres tiram mais selfies não porque têm mais amor-próprio (ou mais falta dele) mas apenas porque há mais pressão em relação ao corpo, à beleza física, à imagem. “As selfies não estão ligadas à vaidade ou ao egocentrismo, são mais uma forma de partilha, de comunicação, até porque não existem só as sexy-selfies”, explica Cláudia. “Quando as selfies estão associadas à busca de aprovação, então sim, podem estar ligadas à baixa autoestima.”

Passo 5: não usar uma selfie para tentar aumentar o amor-próprio. Não vai funcionar e vai criar um círculo vicioso: “Se a minha autoestima está ligada à gratificação das redes, isto é uma aprovação muito transitória, e não vou ter a aprovação de toda a gente sempre, o que é frustrante. Não andamos um mês a sentir-nos bem porque tivemos 50 likes há bocado. Quando pensamos que há jovens que querem viver totalmente dessa exposição, isto pode ter resultados dramáticos.”
O problema também é o tempo imenso que perdemos a tirar, escolher, postar e comentar selfies. “Uma selfie é uma realidade editada, é a melhor entre muitíssimas fotografias. Os jovens que seguem celebridades também não têm noção do trabalho que está por trás de um canal de YouTube. Não temos consciência de que aquilo não é a realidade, é a realidade que escolhemos mostrar. ”
Portanto, quanto mais investirmos nas selfies e afins, menos tempo temos para coisas que façam de facto a diferença na nossa vida. “Associamos o nosso valor ao ‘valor de mercado’ das redes, quando ele é totalmente independente daquilo que postamos.”

Confiante ou narcisista?
Saiba que ter amor-próprio nunca o transformará em narcisista (a não ser que já o seja, claro). “Todos os utilizadores das redes sociais conseguem detetar um narcisista”, lembra Cláudia Morais. “Por exemplo, alguém que só publica sexy-selfies, fotos em que o único propósito seja mostrar a sua sexualidade. Ou seja, os outros não ganham nada em aceder àquelas fotos.”
Mas um narcisista não tem autoestima, pelo contrário: são pessoas profundamente inseguras, que buscam aprovação constante. Egocentrismo não é amor-próprio: quando alguém coloca as suas necessidades e interesses à frente dos outros, dizemos ‘aquela pessoa tem uma autoestima à prova de bala’. Ora estamos a confundir coisas diferentes. “Um narcísico precisa de diminuir quem está à volta para exacerbar os seus próprios feitos”, explica Cláudia. “Uma pessoa com amor-próprio diz ‘fiz um bom trabalho’. Um narcísico diz ‘fiz um trabalho melhor que todos os outros’.”

Já agora, nem todos estamos assim tão falhos de autoestima: ainda há muita gente a achar que fez um bom trabalho. O que acontece é que nos venderam uma teoria da vitimização à partida: nas últimas décadas, houve tantos livros sobre a importância do amor-próprio e da autoestima que as pessoas começaram a achar que eram um trapo. “A teoria da educação baseada na autoestima vem da teoria da vitimização dos anos 60”, afirma o educador americano Steve Salerno, autor do livro ‘Sham: How the self-help movement made America hapless’ (‘Como o movimento de autoajuda deixou a América sem rumo’). “A ideia era que estávamos todos avariados por dentro e precisávamos de ser arranjados.” As escolas americanas promoveram a autoestima até concluírem que a maior razão do fracasso escolar não era a falta de autoestima, era a falta de apoio no estudo.

Em Portugal ainda estamos longe de uma overdose de autoestima. Na realidade, a premissa continua simples: é óbvio que ter amor-próprio é sempre bom, nem que seja porque nos defende de muitos perigos deste mundo e nos ajuda a viver melhor. Mas não nos vai ajudar a ter tudo o que quisermos, porque o ‘sucesso’ e a ‘felicidade’ resultam de muitas coordenadas que não dominamos e que não dependem apenas do nosso amor-próprio. De qualquer maneira, não é inteligente perdermos tempo a massacrar-nos devido aos nossos supostos defeitos. Como dizia Diane Von Furstenberg, “Vai passar muito tempo consigo própria: torne-se uma companhia agradável.”

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