Num mundo em que o desempenho escolar ganha predominância desde cedo, há uma noção, defendida pelos especialistas em desenvolvimento infantil, que corre risco de ser esquecida: brincar é essencial ao desenvolvimento das crianças, a nível da criatividade, da capacidade de concentração, sem esquecer a relação interpessoal com os seus pares. Porém, numa sociedade em constante mutação, também as brincadeiras mudam ou englobam novas e fascinantes áreas. Se brincar à apanhada e às escondidas ainda são dos jogos prediletos dos miúdos, há outras territórios propícios à exploração que ganham relevância e o interesse dos mais novos.
A robótica é exatamente uma dessas ‘regiões’ e é o campo de ação da Teckies é uma startup que trabalha para leva a robótica para as salas de aula, promovendo a aproximação e entre as crianças e a tecnologia. Ao mesmo tempo, promove também uma série de workshops para que todas as famílias possam brincar com robots, montando-os e dando-lhes ordens, ao mesmo tempo que aprendem noções básicas de programação e adquirem uma série de soft skills, como criatividade, capacidade de resolução de problemas e trabalho de equipa.
Nesta fase de pandemia, não podendo ter ações presenciais, a Teckies disponibilizou ainda uma ferramenta online – o RoboGarden – onde as crianças podem ter esta aprendizagem através de um jogo. Subindo de níveis, vão aprendendo código de forma lúdica, em casa, ao seu ritmo.
Para compreender melhor o fascínio e o que a robótica tem para oferecer, entrevistámos Patrick Götz, fundador e CEO da Teckies
- Quando falamos de robótica, exatamente do que é que estamos a falar?
Robótica é a ciência e técnica da conceção, construção e utilização de robots, um termo muito amplo e que pode ser utilizado em muitos âmbitos. Na Teckies, quando falamos de robótica, falamos de robótica com utilização no ensino, de forma a desenvolver competências nos jovens. Esta pode ir de simples cubos eletrónicos aos quais podemos dar ordens, através de programação, até a figuras humanóides, pequenos robots com aspeto mais semelhante aos humanos, com braços, pernas e afins. Existem robots adequados às mais diversas idades, cuja complexidade também é diferente e que permitem fazer atividades distintas. Por exemplo, os mais populares são os EZ-Robots e os Littlebits. Os primeiros são um sistema muito completo, já que permite construir robots humanoides e programá-los para reconhecer imagens, seguir cores, falar ou cantar, fazer flexões, entre muitas outras coisas. Têm alguma complexidade, sendo mais adequados para crianças acima dos 9/10 anos. Os Littlebits são indicados para crianças a partir dos 6 anos e permitem criar circuitos eletrónicos com pequenas peças magnéticas codificadas com cores, colocando os mais novos a desenvolverem a sua capacidade de resolução de problemas.
Na Teckies, além de disponibilizarmos robots para compra na nossa loja online, para que possam ser usados livremente em casa, com o apoio da família, trabalhamos para levar a robótica para as salas de aula, não só modernizando o ensino, de acordo com as novas tendências tecnológicas, como para aproximar as crianças desta realidade, preparando-os para os trabalhos do futuro. É certo que não conseguimos prever o futuro, mas sabemos que inteligência artificial e os robots farão cada vez mais parte da nossa vida e que temos de estar preparados para lidar com eles e para nos destacarmos deles com o que é mais humano: as emoções, as soft-skills como criatividade, resolução de problemas ou trabalho em equipa. Este é um trabalho que fazemos também em workshops e campos de férias e que permitem aprender de forma lúdica e divertida.
- A partir de que idade as crianças estão preparadas cognitivamente para ter o primeiro contacto com o tema?
Existem opções adequadas para crianças a partir dos 3 anos, como é o caso do Cubetto, que trabalha com fichas e funciona 100% offline – trata-se de uma consola de madeira e de um tapete colorido, à semelhança dos que as crianças usam habitualmente para brincar, e que permite estimular cognitivamente a criança, desenvolvendo algumas competências desde cedo –, ou mesmo o Qobo, que funciona com cartas. Estas opções são pensadas de forma a não colocarem os jovens à frente de um ecrã já nestas idades. É importante que as crianças brinquem, explorem e ao mesmo tempo desenvolvem raciocínio estruturado, mas também a criatividade.
- Como será uma ‘progressão’ normal, atendendo às faixas etárias, dentro desta área?
Dos 2 aos 3 ou 4 anos de idade as crianças estão numa fase de descoberta e desenvolvimento das sensações e dos objetos pelo que a manipulação de objetos e peças dentro desta área será o foco para as crianças nesta faixa etária. Não é recomendado já a manipulação de tablets, computadores ou outros equipamentos tecnológicos com ecrã e mais complexos, mas sim pequenas peças, blocos ou outros objetos que os permita perceber que a manipulação de objetos e os seus movimentos resultam numa ação, neste caso numa ação do robot. Por exemplo, no Cubetto, um pequeno robot de madeira, as crianças têm que encaixar os blocos num tabuleiro para fazer o robot se movimentar.
Depois, a partir dos 3 ou 4 anos até aos 6 ou 7, as crianças começam a desenvolver a comunicação e a tentar compreender o mundo à sua volta, as coisas que acontecem, questionando e procurando respostas. Assim, é importante para elas perceberem o porquê de, por exemplo, o robot virar para a esquerda e não para a direita. Como é que ele sabe para onde deve virar? Que peça devemos utilizar?
Entre os 8 e os 12 anos, sensivelmente, as crianças começam já a utilizar a lógica e a solucionar problemas concretos. O uso de tablets e outros equipamentos com ecrã começam a ser uma realidade e as crianças conseguem perceber a lógica das suas ações e compreender o funcionamento dos equipamentos, resolvendo problemas concretos que lhes sejam apresentados.
Dos 12 anos para a frente a capacidade de raciocínio e resolução de problemas aumenta, conseguindo as crianças já resolver problemas complexos, colocar hipóteses, experimentar coisas novas e procurar soluções mais avançadas. Mesmo sem nunca terem aprendido nada sobre determinado assunto, as crianças têm a capacidade de criar situações hipotéticas, explorar e procurar formas de fazer e solucionar as questões que lhes apareçam.
- Em termos de soft skills, de quais estamos a falar e que podem ser úteis no futuro?
As chamadas “soft skills”, são tudo menos “soft” e serão cada vez mais relevantes para o futuro. Num mundo que será cada vez mais robotizado, teremos de aprender a trabalhar lado a lado com as máquinas, evidenciando aquilo em que somos melhores e insubstituíveis. Os robots serão melhores e mais rápidos nos trabalhos repetitivos e nos cálculos lógicos, nós seremos melhores a nível emocional e no raciocínio que possa fugir um pouco da lógica. É, por isso, essencial que desenvolvamos competências como criatividade, resolução de problemas, pensamento crítico e trabalho em equipa, soft-skills que conseguimos estimular com este trabalho com robots, que acontece muito pela tentativa e erro, pelo experimentar, pela troca de ideias.
- E de competências técnicas?
Com este primeiro contacto, programando os robots, as crianças começam logo a ter noções básicas de código (e relação causa-efeito), que são ensinadas de forma muito simples. Para ter uma reação X, precisamos de seguir determinados passos e assim vão percebendo a dinâmica da programação. Não vamos precisar todos de ser programadores no futuro, mas é certo que precisaremos de muitos e que os restantes vão precisar de ter, pelo menos, algumas noções, pelo que quanto mais cedo começarmos a adquirir estas competências, mais as desenvolveremos e aperfeiçoaremos.
- Que tipo de programa/workshops desenvolvem nesta fase (ainda) de confinamento social?
Todas as nossas atividades eram feitas presencialmente, com as crianças a trabalharem em grupo, a mexerem nos componentes, mas tudo isso teve de parar e tivemos também de nos adaptar a esta nova realidade.
Para as crianças, passámos a disponibilizar o RoboGarden, uma plataforma que lhes permite aprenderem código de forma simples, em casa, sozinhos e ao seu ritmo, para que possam continuar com esta aprendizagem agora em confinamento. Esta semana, temos também a decorrer workshops online para alertar e ajudar as crianças a lidar com o cyberbullying, que, infelizmente, já era uma realidade e que se intensificou agora com a pandemia, com os jovens a passarem mais tempo online. E porque este tema também deve envolver pais e professores, também fizemos sessões dedicadas a eles, para que estejam alerta.
Por outro lado, e porque esta pandemia exigiu de todos um esforço extra, pusemos os nossos conhecimentos também ao dispor dos professores, com quem temos estado a trabalhar, dando ferramentas para gerirem as suas turmas e darem as suas aulas à distância, ajudando-os a se adaptarem a esta nova realidade.
- Como tem sido a adesão?
Antes da pandemia, as nossas atividades costumavam ter uma boa adesão. Notava-se a preocupação das famílias em dar às crianças atividades distintas e estimulantes, que pudessem contribuir para o seu desenvolvimento e essa preocupação parece manter-se apesar dos percalços dos últimos meses. As famílias continuam a aderir às iniciativas e workshops que temos proposto à distância, como alternativa ou complemento nesta nova realidade, como é o caso do RoboGarden.
- E o envolvimento das famílias?
Na nossa atividade normal, temos atividades especificamente em família, temos workshops para pais e filhos ou avós e netos, que acabam não só por promover a aprendizagem e diversão, como também por criar momentos únicos nas famílias. Nos casos dos avós e netos, as dinâmicas são ainda mais interessantes, já que muitas vezes são os netos a puxar pelos avós e a partilharem com eles o que já sabem. Aqui, também os avós aprendem muito e ficam mais despertos para as tendências tecnológicas, seja para depois fazerem uma vídeo chamada com os netos ou para irem até às redes sociais – pequenos passos que para eles fazem muita diferença.
- Em termos de géneros, ainda se nota um desequilíbrio, com mais rapazes do que raparigas inscritos, ou os tempos estão mesmo a mudar?
Se fizermos uma análise por ciclos, normalmente, no 1.º ciclo não se verifica grande diferença entre rapazes e rapariga. A partir do 2.º ciclo as coisas começam a mudar, havendo maior prevalência de rapazes e quanto mais avançamos maior é a diferença.
A nível de interesse – independentemente dos ciclos –, são também os rapazes os que têm maior curiosidade com esta área. Eles são mais propensos a desempenhar tarefas como a construção e a programação, enquanto que as raparigas, habitualmente, se destacam na criatividade.
- O que podem, em termos práticos, fazer estas crianças na área da robótica?
Numa fase inicial, a lógica de juntar itens e trabalhar com circuitos pode não parecer robótica, mas é o primeiro passo. Mas o grande efeito prático é quando começam a criar um robot humanoide, juntando as peças ao seu gosto e depois programando-o para seguir ordens ou fazer atividades. Podemos programar o robot para cantar, dar matéria, ou até fazer uma peça de teatro, mas também para exercícios físicos, como flexões, o que não é fácil, já que requer um forte conhecimento dos diversos componentes, para fazer mexer exclusivamente os necessários e ter um movimento coeso.
- O Robot Garden foi um jogo que surgiu já na altura da pandemia, para dar resposta ao fim das ações presenciais? Como foi a sua génese e qual o seu objetivo?
RoboGarden é uma solução criada pela empresa canadiana Micro Engineering Technology Inc., que tem a Teckies como parceiro exclusivo em Portugal, e que não é mais do que um jogo, que funciona por níveis, que vão sendo cada vez mais complexos e que só são ultrapassados quando os desafios lançados são resolvidos – através da programação, claro. É uma ferramenta colorida, divertida, que tem um robot como mascote e que permite a crianças a partir dos 6 anos aprenderem três tipos de linguagem – Blockly, Java Script e Python.
Já sabíamos que queríamos lançar a plataforma no país, mas não tínhamos ideia de o fazer tão cedo, mas a pandemia e a necessidade de ter atividades para as crianças fazerem em casa antecipou o seu lançamento. Agora, está disponível tanto para licenças individuais, para que as famílias possam adquirir para os seus filhos, como para escolas, que podem adquirir licenças para as suas turmas, dando a possibilidade aos alunos de terem este primeiro contacto, sem terem nenhum professor dedicado ao ensino, já que aprendem de forma autónoma.
- De futuro, que ações têm preparadas?
Por agora, temos quase tudo em standby até percebermos como vai esta situação evoluir. Temos alguns projetos em carteira, que estamos a desenvolver e a reequacionar o seu lançamento, para crianças e não só. Gostaríamos também, por exemplo, de voltar a lançar o projeto Vida+, que visa fazer este mesmo trabalho de aproximação à tecnologia, mas com seniores, cujo lançamento calhou precisamente no início da pandemia. Por outro lado, estamos também a ponderar avançar com a internacionalização em algumas áreas.
- Esta será uma área de inevitável expansão. Preveem o seu enquadramento nos currículos escolares.
É evidente que os planos curriculares precisam de uma atualização urgente. O mundo está a mudar muito rapidamente e nós temos de mudar com ele. Não seria expectável que no século XXI tivéssemos ainda crianças sem acesso à internet, muito menos escolas com quadros de giz. Temos notado um esforço para ter atividades extracurriculares mais inovadoras, mas, tendo em conta as necessidades futuras das crianças de hoje, é urgente dotar as escolas de mais competências tecnológicas e “democratizar” o ensino da robótica e da programação. Por esta altura, já faria sentido que estas disciplinas estivessem integradas no en