Novos tempos, nova realidade. Mas ainda assim, tentamos fazer o que podemos para sentir alguma normalidade nas nossas vidas. Por ter esta necessidade, decidi ir ao teatro assim que me foi possível. Isto é o que tenho para contar sobre o regresso a uma grande sala de espetáculos em tempos atípicos.
Nos dias 20 e 21 de junho, o Teatro Nacional D. Maria II reabriu as portas. Fechado desde dia 13 de março devido à pandemia, esta sala icónica localizada na Praça de D. Pedro IV em Lisboa, marcou o regresso aos espetáculo com duas apresentações de By Heart, de Tiago Rodrigues. A receita de bilheteira das duas apresentações reverteu para um Fundo de Apoio aos Profissionais da Cultura.
Estive presente numa das apresentações e conto aqui como foi feito o regresso ao teatro numa época em que se exigem novas regras, de modo a garantir a segurança de todos.
Assim que vi que as portas do D. Maria II iam abrir com este espetáculo corri a comprar bilhetes. O processo foi exclusivamente feito online. No mapa para escolher lugares, era posível ver como a sala estaria organizada. A Sala Garrett tinha uma lotação de 198 lugares, cerca de 50% do total, cumprindo assim as normas definidas pela Direção Geral de Saúde. Os lugares estavam intercalados, de modo a que existisse sempre um assento vazio entre cada pessoa. Lugares escolhidos, bilhetes comprados, email com confirmação recebido de imediato.
No dia anterior, recebi novo email, desta vez com as regras que deveriam ser tomadas para entrar na sala. A imagem que se segue avisava de todos os procedimentos necessários.
Chegou o dia!
De máscara no rosto, cheguei á porta de entrada. Outras pessoas também se estavam a aproximar, sozinhas ou em pequenos grupos. Formou-se uma fila que cumpria o distanciamento. Um elemento do staff, também de máscara, dirigia-se a cada pequeno grupo da fila: “Pedimos que mantenham a distância, não tirem as máscaras durante o espetáculo e que desinfetem as mãos”. No chão, marcas ajudavam a cumprir o distanciamento de dois metros. A entrada é feita com tranquilidade. Com os bilhetes validados, é feito o aviso de que, no final do espetáculo, teremos que aguardar que nos seja dada permissão para sair. Outro elemento do staff conduz para o lugar a que se refere o bilhete.
A sala está claramente com metade da capacidade. Para evitar que as regras não sejam cumpridas, os lugares que não estavam disponíveis para venda têm uma fita vermelha que impede que alguém se sente neles. O público está a sentar-se com tranquilidade. As portas fecham-se, Tiago Rodrigues surge em palco.
Com empatia e sentido de humor, Tiago Rodrigues recebe o público neste regresso ao D. Maria II. Volta a reforçar as novas regras de segurança e conta que foram feitas algumas alterações para voltar a trazer aos palcos esta peça. É que em By Heart, convida dez pessoas do público para se juntarem a ele em palco. Se antes tal era feito de forma mais despreocupada, agora há novas medidas a ter em conta. As dez pessoas que se voluntariam para participar têm de manter a máscara no rosto, estão mais distantes umas das outras, têm gel para desinfetar as mãos disponível. Regras que são seguidas e que em nada prejudicam o decorrer do espetáculo.
Os olhos ficam presos ao palco. A certa altura, Tiago Rodrigues pára e fica em silêncio. O público está expectante com o que vai acontecer. Após um momento, o ator, encenador e diretor artístico sorri e explica que estava simplesmente a ouvir. Fala do tempo que a sala ficou vazia e da ausência de som que se registou ao longo desse período. “O silêncio de uma sala cheia é diferente do silêncio de uma sala vazia”, explica. Impossível não esboçar um sorriso com estas palavras.
O tempo passa a correr e depressa estamos a aplaudir de pé Tiago Rodrigues e os dez membros do público que se juntaram a ele em palco. Terminada a ovação, membros do staff começam a encaminhar para a saída. Tal é feito fila a fila, sem grandes pressas ou confusões. Apesar desta nova medida, depressa chegamos à rua. A sensação é de paz, inspiração e alegria. Foi o regresso aos espetáculos, um novo passo na retoma da normalidade. E tudo foi feito com segurança.
E o que dizer sobre By Heart?
É uma peça magnífica que nos prende por uma hora e meia sem que sintamos o tempo a passar. Tiago Rodrigues fala sobre a memória, do poder das grandes histórias, da arte como forma de resistir, sobre como é importante saber de cor o que amamos e de nos tormarmos biblioteca vivas. Um texto humano e empático que nos faz ter esperança. Que bom que isso é nestes tempos!