
Estive aqui a pensar num bom livro para vos recomendar agora que a euforia pós-natal já passou, e nada melhor do que continuarmos no tema da família (vocês já repararam que às vezes precisávamos mesmo de um smile nas alturas mais despropositadas?)
Bem: livros sobre famílias, com ou sem smiles, temos milhões. Aliás, se repararem, quase todos os livros são sobre famílias, a começar na Bíblia e a acabar no último que li, sobre o Harry e a Meghan (mas esse fica para outras núpcias).
Eis senão quando abro um dos lançamentos deste ano que passou. “Nós, os Cunningham, não nos damos nada bem. Aliás, a única coisa que temos em comum é o facto de todos termos matado alguém.” Digam lá que não é um bom princípio, seja para ler agora na ressaca pós-natal, pré-fim-de-ano ou mais tarde?
Às vezes, basta uma boa ideia para fazer um bom livro. Às vezes. Essa é uma dessas vezes. Pensamos como é possível ainda haver alguma boa ideia não explorada, mas a verdade é que o título diz tudo: em ‘Na minha família todos mataram alguém’ estamos perante uma quantidade incrível de mortes.
Claro que a boa ideia é, como acontece frequentemente com as boas ideias, pretexto para contar uma data de histórias e pôr em cena uma data de personagens. Também é pretexto para um escritor se divertir à grande a desconstruir os ‘mitos’ do romance policial. Ainda nem começou o livro e já está a afirmar que o autor: “jura pela sua honra que os seus detetives detetarão com sinceridade e brio os crimes que lhes forem apresentados, fazendo uso das capacidades que achou por bem conceder-lhes, sem recurso a Revelações Divinas, Intuição Feminina, Truques, Tretas, Coincidências ou atos de Deus” (juramento de adesão ao Detection Club, uma sociedade secreta de 1930).
O livro começa com a frase do título e o primeiro capítulo acaba logo com “Matei alguém? Sim. Matei. Quem? Comecemos.”
E começamos, e vamos sem parar até ao fim: “Prometi que não aconteceriam certas coisas neste livro portanto é melhor que termine por aqui, para que este capítulo não faça de mim um mentiroso.”
O autor, que também faz stand-up comedy, tem um longo curriculum na arte dos trocadilhos, inuendos, piscares-de-olhos, e portanto o leitor tem de vir preparado para uma escrita que está sempre a puxar-nos pela manga e a exigir que se perceba a piada ou o duplo sentido. É um livro que exige também ele um leitor imaginativo (e lido), e não é uma boa ideia para quem for daqueles leitores do clube do ‘deslarguem-me’, que não gostam muito de inovações. Dito isto, é mesmo uma boa história.
Portanto, cortem mais uma fatia de Bolo Rei, desliguem o telemóvel (se não forem médicos nem bombeiros), sentem-se no sofá mais confortável, com ou sem família. E carreguem baterias para o novo ano que aí vem. Que seja luminoso, que vos traga tudo o que mais desejam e que o passem da forma que mais vos agradar. De preferência, sem matarem ninguém.
‘Na minha família, todos mataram alguém’ – Benjamin Stevenson, Asa, E19,50