Ella Jones, 65, tornou-se a primeira mulher negra a ser eleita presidente da Câmara Municipal de Ferguson, nos Estados Unidos, nesta terça-feira, 2 de junho. O momento histórico acontece quase seis anos depois de a cidade irromper em protestos na sequência da morte de Michael Brown, que apontou os holofotes nacionais e internacionais para o município e galvanizou o movimento Black Lives Matter.
Para contextualizar: localizada no estado americano do Missouri, Ferguson tem uma população de menos de 22 mil habitantes e status de cidade desde 1894. Desde então, a câmara foi comandada apenas por homens brancos, a despeito de uma população formada em quase 70% por negros. Com o resultado das eleições municipais, Jones quebrou o ciclo não só pelo seu tom de pele, mas também por ser mulher.
Esta vitória, com 54% dos votos, atraiu novamente o olhar do mundo para Ferguson, que já foi o palco principal de protestos semelhantes aos que, nos últimos dias, se espalharam pelos Estados Unidos contra o racismo e a violência policial. Em 2014, o adolescente Michael Brown, de 18 anos, foi alvejado e morto por um polícia branco, e este foi um dos casos que alanvancaram o movimento Black Lives Matter, cujo catalisador mais recente foi o assassinato do ex-segurança George Floyd sob a custódia da polícia de Minneapolis, no Minnesota.
“A minha eleição dá esperança às pessoas”, disse Ella no dia 3 de junho, citada pelo “The New York Times”. “Toda a gente está à procura de mudanças. Toda a gente quer ter um estilo de vida melhor. Ninguém quer sair à rua, andar quarto quarteirões e temer ser alvejado; ninguém quer isso. As coisas estão a começar a mudar. Estamos a fazer mudanças”, continuou. “Eu tenho vivido na injustiça durante toda a minha existência. Não fiquei exposta a ela porque me tornei um membro da Câmara Municipal”.
Barack Obama, o ex-presidente dos Estados Unidos, escreveu sobre a vitória no Twitter. “Um lembrete da diferença que a política e o voto podem fazer para mudar quem tem o poder de transformar uma comunidade como Ferguson, com um histórico de práticas discriminatórias na aplicação da lei”.
Moradora de Ferguson há mais de 40 anos, Ella é também pastora da Igreja Episcopal Metodista Africana, a primeira denominação protestante independente a ser fundada por pessoas negras. Em 2015, tornou-se a primeira mulher negra na Câmara Municipal. Apesar da sua postura crítica ao sistema de segurança pública e ao impacto desproporcional que este tem na comunidade da qual faz pare, na altura, não se posicionou diretamente a favor dos protestos que tomaram a cidade.
Mais recentemente, prometeu continuar as mudanças promulgadas após o homicídio Michael Brown, incluindo um decreto federal de consentimento, ou seja, um acordo juridicamente vinculativo que exige reformas no departamento de polícia. Além disso, deixou claro que é a favor das manifestações pacíficas, tendo condenado a violência registada em várias cidades americanas, numa tentativa conjunta de exigir justiça para George Floyd.
Jones sucederá James Knowles III, que é presidente da Câmara Municipal de Ferguson desde 2011 e não pôde concorrer à reeleição por causa dos limites de mandato. A candidata perdeu para Knowles em 2017, sendo que nessas eleições fez uma campanha porta a porta para se apresentar aos munícipes. Depois da derrota, revelou que muitos moradores negros lhe disseram que não acreditavam que a sua eleição fosse mudar o destino daquela comunidade e questionaram Ella sobre os progressos que tinha alcançado em dois anos como membro do Conselho da Cidade.
“Se foste oprimido durante tanto tempo, é difícil haver abertura a uma nova ideia”, afirmou. “E quando foste governado pelo medo e as pessoas dizem que a cidade vai entrar em declínio porque uma americana negra estará no comando, tende-se a ouvir a retórica e não abrir a mente a novas possibilidades”.