@vanessateodoro

É impossível confundir os trabalhos de Vanessa Teodoro. Isto porque são definidos por uma complexa batalha entre padrões gráficos, elementos figurativos e cores fortes, e contrastes. Tudo com um toque de caos e humor. 

Foi esse estilo marcadamente irreverente e ousado que a ilustradora luso-sul-africana transportou para as montras lisboetas ao aceitar o desafio de assinar, pela primeira vez, uma campanha de um centro comercial. O resultado está à vista nos Armazéns do Chiado, que reforçam, assim, o seu posicionamento enquanto ponto de encontro de história, modernidade, inovação e transformação.

Nesta parceria, a artista foi incumbida de dar vida a interpretações visuais de elementos característicos da cidade, como o rio, as encostas e os vales, combinando-os com a dinâmica e movimento da apresentação de tendências, novidades e momentos marcantes para o shopping center. Um teste no qual passou com distinção.

A propósito deste projeto, falámos com Vanessa Teodoro, que já desenvolveu conceitos gráficos para grandes marcas internacionais como, por exemplo, Louis Vuitton, Coach, Jaguar, Lacoste, IKEA e Canon, sobre o percurso que tem traçado enquanto artista urbana e mulher de negócios.

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Origens

Instagram/@vanessateodoro
Nasceu na África do Sul e veio para Portugal com 10 anos. Que referências estéticas tem dos dois países?

Sinto que tenho uma influência mais africana, talvez pelo facto de ter sido uma parte importante da minha infância e de querer mostrar, através do meu trabalho, um pouco da minha história.

A arte sempre fez parte do seu quotidiano?

Sim, desde que me lembro, sempre adorei o mundo das artes visuais. Desde pequena, a pintar nas paredes de casa, até aos dias de hoje, seja de que forma for, o meu fascínio pela arte e poder usá-la como forma de compreender-me melhor e de comunicar as minhas ideias ao mundo sempre esteve muito presente. 

Quando era mais nova, acreditava que podia ganhar a vida como artista?

Estamos um pouco programados pela sociedade para pensarmos que não é fácil ser-se artista. Das duas uma: ou os artistas são grandes génios (homens), como Picasso e Damien Hirst, ou passam uma vida difícil e só são valorizados após a morte. Sempre admirei o mundo tumultuoso do artista, mas não achei que fosse conseguir ganhar a vida com as minhas criações.

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Formação

Porque é que decidiu formar-se em Publicidade e Design Gráfico?

Achei que era a forma mais segura de seguir uma carreira de alguém que vive da sua criatividade. Acabei por ter alguma influência do meu padrasto, que também era designer. O facto de estar rodeada de livros sobre design e ilustração dos anos 1980 acabou por influenciar-me mais do que esperava. A publicidade foi algo que descobri durante o meu curso de Design Gráfico. Fiquei a compreender melhor a mente humana e a saber que, na realidade, não sabemos o que queremos; apenas queremos preencher um “vazio”, seja com um detergente xpto que faz a roupa ficar extra macia ou pelo novo iPad que nos faz sentir mais atuais. 

A expressão artística e criativa tem o espaço que merece nos programas e projetos educativos em Portugal?

Acho que ainda há muito por percorrer nessa área. Viu-se pela importância (ou falta dela) que foi dada à arte durante a pandemia e a falta de apoios aos agentes culturais. Há uma falta de investimento no trabalho dos artistas e poucos conseguem viver exclusivamente do seu talento no mercado português. Enquanto não houver uma mudança de mentalidade e a arte não for ensinada desde o início nas escolas como uma ferramenta importante para a conexão e compreensão humana, bem como para a cura ou gestão de doenças mentais — da depressão ao Alzheimer —, esta nunca será valorizada. 

Qual é o papel que a sua formação artística tem, agora, na gestão e projeção da sua carreira?

Não tenho um curso superior, fiz três cursos técnicos e cada vez acredito que, no mundo das artes, é mais importante o “como estudamos” do que o “onde estudamos”. Eu não ganhei a vontade que tive de aprender, experimentar coisas novas, arriscar e se uma boa profissional com os estudos, mas sim a viver o dia a dia no mundo do trabalho: primeiro como designer, depois como diretora de arte e, nos últimos 13 anos, como artista plástica multidisciplinar.

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Representatividade na arte

Começou a fazer arte de rua em 2009. Ser uma mulher num mundo de homens representou um desafio?

Não gosto de pensar que a arte urbana (ou as artes plásticas, em geral) é um mundo de homens. Quanto mais nos convencermos disso, mas acreditamos nisso. Há uma tendência clara em haver mais homens a pintar, mas isso está a mudar rapidamente. Em 2009, éramos muito poucas a pintar, ao ponto de escreverem artigos sobre nós com títulos como “Miúdas com muita lata” —  como se fosse preciso ter “lata” para fazermos os que os homens fazem. Não vi o contexto como um desafio, mas sim como um convite.

Esse desafio também trouxe coisas boas?

Sim, gosto de pensar que abrimos caminho para que mais mulheres se inspirem no nosso percurso. Hoje já há imensas mulheres a pintarem murais, sem medos de subirem a grandes alturas; de estarem horas expostas ao sol, ao vento e a piropos inapropriados (que ainda acontecem); de carregarem latas e baldes; e, claro, de expressarem a sua visão e sensibilidade sem medos. 

O mundo da arte está mais aberto à representatividade?

Sim, está mais aberto, mas é uma luta constante. Prova disso é que os artistas homens continuam a receber mais convites para marcarem presença nos festivais de arte urbana (no caso da street art). No mundo da arte, em geral, é um tema muito debatido e existem estudos que comprovam a discrepância entre a percentagem de mulheres nas galerias e museus comparativamente aos homens. Recomendo que sigam o trabalho revolucionário das Guerrilla Girls, que falam muito sobre este tema.

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Identidade

Instagram/@vanessateodoro
Como define a sua linguagem artística e identidade visual?

Pop contemporâneo, com um toque de caos organizado. Gosto de pensar que crio arte com uma mensagem positiva, que tem tanto para dizer, seja através de padrões, de figuras femininas que flutuam pelo espaço ou pela exploração da caligrafia. 

Como é que os seus trabalhos desafiam a mente do espetador?

O facto de trabalhar maioritariamente a preto e branco já é disruptivo só por si, porque é uma paleta cromática menos aceite socialmente. As cores (que não o preto e branco) podem ser mais impactantes e até chamam mais a atenção. Gosto de abraçar o desconforto de a minha arte não ser para todos. Posso dizer que o meu trabalho desafia mais a minha mente do que a do espetador, pois, como artistas, é fácil cairmos no erro de criarmos o que as pessoas querem ver.

As minhas criações são muito gráficas e contrastantes, há sempre uma harmonia entre os elementos, por muito caótico que o layout pareça. O meu trabalho, para além de expressar uma mensagem positiva (direta ou indiretamente), faz com que as pessoas parem e analisem o porquê daquilo que criei e se fala ou não com elas. Acho que a arte é importante porque desafia e obriga as pessoas a pensar. 


Entre projetos da sua autoria, obras de arte, exposições, intervenções urbanas e performances, tem algum tipo de trabalho favorito?

Gosto de experimentar coisas novas sempre que sinto que estou a ficar demasiado confortável. Abraçar o desconforto e a incerteza de um trabalho novo que tem tudo para ser um desafio faz-me crescer como artista. Gosto particularmente de criar peças que tenham um público heterogéneo e que, à partida, não teriam um acesso tão imediato ao meu trabalho, como as intervenções urbanas de domínio público.

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Carreira

Até agora, quais foram os pontos altos da sua carreira?

Ter tido a oportunidade de colaborar com marcas internacionais como a Jaguar, Louis Vuitton, Ritz Four Seasons e,  mais recentemente, a Bang & Olufsen, que ajudam a solidificar mais a minha carreira como artista. 

As experiências que teve além-fronteiras e com marcas internacionais obrigaram-na a sair da sua zona de conforto?

Trabalhar com o mercado chinês, por exemplo, foi (e continua a ser) muito desafiante. Mas sinto que aprendi a ser mais fluída na forma como trabalho, mantendo-me fiel à minha visão e estilo próprio. Quando recebi o convite para ir à China, em 2017, inicialmente, quis logo adaptar o meu estilo ao que eu pensava que era mais aceite culturalmente. Depois de várias semanas a criar sem adorar o que estava a produzir, desisti de tentar ser o que não sou. Deixei de pensar no que podia ou não vender e aceitei que o meu trabalho é a minha visão do mundo e, nesse caso, de um mundo novo e estranho. Isso acabou por ajudar-me a produzir peças novas com um twist asiático das quais me orgulho muito. 

Relativamente a outras marcas internacionais, não senti um desconforto, mas mais um sentido de responsabilidade. Isto por ter de provar a mim mesma que era capaz e, de certa forma, por estar a representar a criatividade e o talento português.


Qual diria que é a sua missão enquanto artista?

Adoro a expressão em inglês “Aspire to inspire” [“aspirar a inspirar”, em tradução livre]. Ainda que a minha missão vá evoluindo ao longo do tempo, porque vou-me conhecendo melhor e sinto que tenho coisas diferentes para mostrar ao mundo, há uma coisa que não muda: o querer inspirar as pessoas, seja ao mostrar que uma mulher também consegue pintar murais gigantes ou através dos meus autocolantes We are the people, the time is now, que estão na rua e podem levar alguém a mudar algo na forma como interage com o mundo. 

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Armazéns do Chiado

Qual foi o ponto de partida (e como fluiu) o processo criativo?

Em parceria com a agência de comunicação Brandhunters, quisemos trabalhar com dualidades e contrastes. O bairro antigo e cheio de história do Chiado contrasta com uma abordagem visual mais moderna e contemporânea, tanto pela utilização gráfica e clean dos meus padrões, como pela forma disruptiva em que é utilizado o preto e branco (as cores da cidade de Lisboa). Esta campanha mostra como os Armazéns acompanham a atualidade na arte, na moda e no lifestyle. 

Esta é uma campanha portuguesa, 100 por cento nacional. Jogar em casa é mais fácil ou difícil?

Não é tanto uma questão de ser em Portugal, mas sim de depender muito do cliente. É verdade que há marcas mais ‘conservadoras’ do que outras, mas sinto que as empresas estão a investir cada vez mais em trabalho ousado e diferente. Antigamente fazíamos tudo o que víamos ser feito lá fora. Agora existe uma confiança maior no nosso talento. Hoje somos nós que inspiramos e marcamos tendências internacionais. No caso desta campanha, foi muito gratificante a confiança que senti no meu trabalho e acredito que as marcas 100% nacionais irão investir e valorizar cada vez mais os seus artistas.  

Como respondeu ao desafio de dar vida a interpretações visuais de elementos característicos de Lisboa?

Tentei fugir do cliché usando padrões mais abstratos. Dentro dos três layouts, criei grafismos inspirados no movimento e azáfama do centro da cidade, nos altos e baixos das nossas sete colinas. Com uma vertente mais de arte urbana, através do meu lettering, surgem as frases que descrevem tão bem os Armazéns: “The (He)art of Lisbon / O coração da cidade”.

 Como é que este trabalho se destaca de outros conceitos gráficos que já desenvolveu?

Acredito que, aqui, não é tanto sobre criar grafismos nunca vistos, mas sim sobre adaptar o meu traço e cunho pessoal ao desafio de ajudar os Armazéns a comunicarem de forma nova e atual. A sinergia entre uma marca com história e prestígio com a de um trabalho artístico mais gráfico e irreverente é o que faz com que esta campanha se destaque.  

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