Fotos: João Lima, com styling de Patrícia Pinto

Contar histórias é um dos privilégios desta profissão e gosto especialmente de contar histórias de pessoas reais. Não que as outras não o sejam, nada disso, mas quando falamos de mulheres reais, falamos daquelas que têm menos visibilidade, embora a tecnologia quase nos coloque em pé de igualdade em questões de tempo antena. Era uma tarde igual a tantas outras, com as mensagens a pingar de cinco em cinco segundos, na enxurrada em que a determinada altura desaguou o desconfinamento. Mantenho uma relação esquizofrénica com a minha caixa de correio – tanto deixo os mails amontoar-se que nem folhas de outono no chão como estou logo ali para lhes amparar a queda. O mail de Lara de Sousa Dantas tinha um tom mais pessoal e a cerâmica e flores da sua marca chamaram-me de imediato a atenção, tanto que as incluí logo na edição de novembro. Chegada prematuramente a dezembro (o normal para quem trabalha numa revista mensal), com o Natal e o tema família em cima da mesa, lembrei-me novamente da mensagem de Lara – o projeto Quintal de Flor não só juntava três gerações – avó, filha e neta – como havia sido criado em homenagem ao avô António.


“Mãe, estamos na ACTIVA”

Voltei a contactar Lara, a neta, desta vez para convidar o trio feminino do Quintal de Flor para uma entrevista e sessão fotográfica. “Quando criámos o projeto disse à minha mãe que gostava muito que aparecêssemos na ACTIVA. Lembro-me de comprar as revistas em criança e de vibrar muito com isso. Quando recebi o convite, liguei logo à minha mãe, estava a meio de uma aula, e repeti para aí 5 vezes, ela não encaixava a ideia”, recorda Lara, no dia em que nos encontrámos, no final de outubro. “Foi festejado com toda a pompa e circunstância”, reforça, divertida, Regina Sousa, a mãe. Falta a avó Rosa, que não se achou capaz de fazer a viagem entre Braga e Lisboa. E falta o avô António. Mas ambos não podiam estar mais presentes, não fossem eles os protagonistas deste conto de Natal.

O espírito do amor

Chove lá fora e por perto ouvem-se os festejos do Halloween, mas dentro do lindíssimo apartamento no Edifício da Corte, em plena baixa lisboeta, vive-se já o espírito da quadra natalícia. Mãe e filha acertam o cenário com as peças da coleção mais especial do ano. Não só por se tratar de uma marca que celebra a família, mas também porque António fazia anos a 24 de dezembro. Ainda não conseguem falar em festa, ou mesmo do assunto. Afinal, passaram apenas três anos desde que o avô partiu. Foi a 24 de setembro de 2019 e pouco tempo depois juntava-se ao aperto do coração as restrições da pandemia. Lara estava a terminar a licenciatura em Direito quando se deu o confinamento. “Sou uma pessoa muito ativa – acho que herdei isso da minha mãe. Não estava a conseguir lidar muito bem com o facto de estar sempre em casa. A morte do meu avô era muito recente e não podíamos sair para nos distrairmos.” Transformar dor em amor, é assim que gosta de descrever todo o processo de criação da marca. E do luto desabrochou um verdadeiro jardim. Todas as recordações no quintal da casa dos avós, mesmo ao lado da Sé de Braga, o mar de rosas literal (ele também uma homenagem à avó Maria Rosa), o espírito animado e as expressões características do avô António, tudo isso encarnou num novo Quintal, com as suas jarras catraias e alfacinhas, entre tantas outras. “Era um jardim grande, cheio de flores, que se destacava porque era no centro da cidade. O meu avô tinha um gosto enorme por ele, também estava ligado ao Direito, mas gostava de plantar flores, de ter aquele cuidado.” António gostava de dizer que as flores não eram para ocasiões especiais, eram elas que tornavam as ocasiões especiais. “Quando via a minha avó ou outra pessoa mais em baixo, oferecia-lhe flores.”

Semear o futuro

Garantem que a ideia de criar um negócio que eternizasse todas essas memórias felizes nasceu de um dia para o outro, mas a semente fora plantada muito antes, pelo próprio avô Antônio, que sempre as incentivou a desbravar terreno na área do empreendedorismo. “Dizia-nos que, independentemente da profissão, não devíamos ter vergonha de ser outra coisa”, conta Regina. Também ela tanta coisa foi para além de professora. Com duas licenciaturas, uma em Educação Básica (que não gostou) e outra em Educação Física, sempre teve um pé na dança contemporânea. E depois de 25 anos dedicados ao ensino ainda criou a sua empresa de organização de eventos, que ficou em stand by na altura da pandemia.
Já Lara é uma insatisfeita assumida, diz que é próprio da sua geração.

“Sou muito preocupada com o futuro, sinto que tenho um defeito, nunca estou bem no sítio em que estou, estou em constante luta. Gostava de acalmar um bocado e apreciar e ainda não consegui. Mas a sociedade é muito assim, muito competitiva, também nos incutem muito isso na faculdade. O Quintal é o meu escape, onde posso ser eu a 100%.”

Fala com entusiasmo das suas paixões, da moda, arte, escrita e poesia, o que me leva a questionar a sua licenciatura em Direito. “Eu própria já me fiz essa pergunta. Aos 18 anos ainda não tinha uma percepção clara do que queria e segui as pisadas do meu ídolo, que era o meu avô. Entretanto encontrei um mestrado [em Direito – especialização Social e Inovação, em Lisboa], mais ligado às pessoas, é sobre ouvi-las e dar voz a quem não a tem. Pela primeira vez, senti que me encaixava, encontrei uma razão para ter estudado tantos anos. Faz sentido quando ouvimos os testemunhos dos refugiados, por exemplo.”


Rosinha furacão

Entretanto a Quintal de Flor cresce a três vozes (quatro, se contarmos a da incansável Francisca, 19 anos, irmã mais nova de Lara (ainda há o Xavier), que só não está porque “não gosta de aparecer”). A de Maria Rosa também se faz ouvir bem alto. “É ela que me chama muitas vezes à terra, que me ajuda a respirar quando a pressão fala mais alto.” E o negócio beneficia do que podemos chamar ‘efeito Rosinha’, que certamente contribuiu para uma forte adesão emocional à marca. O nome carinhoso vem desde os tempos em que a avó trabalhava numa escola em Braga. Mas não se deixem enganar pelo diminutivo, que Rosinha é uma força da natureza. “Uma revolucionária dos tempos, uma lutadora pela igualdade de género, pela voz que erguia ao defender os direitos das mulheres na escola D. Maria. Em tom de brincadeira, dizia que uma mulher informada era mais perigosa que uma mulher armada. Era reconhecida pelo seu sentido de justiça e amizade, pelo seu ‘bom dia, está feliz?’ Não era só uma pergunta, queria mesmo saber como é que as pessoas estavam.”
E nos negócios continua a valorizar o lado humano. “Não negoceia preços com ninguém, diz que cada fornecedor sabe o valor do seu trabalho, que não nos cabe a nós avaliar, e não me deixa alinhar em promoções malucas para atrair clientes.” Maria Rosa, 91 anos (“não há um dia que não arranje o cabelo e ponha batom vermelho”), acompanha de perto o Quintal, já que passou a viver com a filha (genro e netos) depois da morte do marido. “Era muito difícil para a minha avó estar naquela casa sozinha. Agora está a viver connosco, e quando passamos por lá, porque ela faz questão de o fazer de vez em quando, é uma nostalgia muito grande, vem-lhe sempre uma lágrima…” A felicidade da avó está no topo das prioridades de Lara: “Sinto-me feliz quando diz ‘que fase bonita que estou a viver’. Nós também, querida avó, obrigada pela força.”

Negócios, negócios, família junta

Seria injusto atribuir todo o sucesso da Quintal de Flor a uma árvore genealógica bem podada. O crescimento foi natural e orgânico, mas foi regado com muito suor. Horas e horas de dedicação a um negócio cujo sucesso desejam que se torne internacional. A Quintal de Flor já tem um ponto de venda em Londres e o ano passado abriu a sua primeira loja física (em Benfica, Lisboa), mas mãe e filha continuam incrédulas com o êxito. Quando começaram, achavam que venderiam um ou outro ramo a amigos e familiares, não imaginavam que em pouco tempo estariam a trabalhar com transportadoras, a partir do atelier em que se transformou a garagem de casa. E há uns anos jamais teriam acreditado que haveriam de ter um negócio juntas. “Eu sou a filha mais chata, não largo a minha mãe”, confessa Lara. “Somos as duas aventureiras, mas com os pés no chão. Tudo o que investimos é com o dinheiro que ganhamos no Quintal”, diz Regina. “Para um projeto funcionar bem, nada como a confiança. Também nos zangamos, por vezes vem ao de cima a minha faceta materna, de correção, mas é muito bom.” A mãe assume-se superorganizada, “até demais”, e a filha aproveita a oportunidade, “organizada e às vezes muito stressada”. (risos)
Lara não o diz na altura, haveria de me escrever mais tarde quando por mail completamos a entrevista, interrompida pela chegada da equipa de produção. “Fico feliz de olhar para a minha mãe e ver o reflexo puro da avó Rosa. A minha mãe, o meu pilar, é a pessoa mais empreendedora, dedicada e humana que conheço – gostava de realçar isso para ficar hoje escrito e para sempre lembrado.”
O tema deste edição é o Natal, mas esta reunião de família dá-se em vésperas do Dia de Finados, data em que se presta homenagem a quem já cá não está. Mas isso é o que acontece todos os dias neste Quintal, o Avô António tem agora um éden só para si.

Conheça aqui algumas peças da coleção cápsula ‘Natal no Quintal 2022’ que encontra no site da marca, em quintaldeflor.com

Entrevista originalmente publicada na edição da ACTIVA de dezembro de 2021.

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