Paulo Miguel Martins

Quando pensamos em cientistas, o que nos vem à cabeça? Ou melhor, o que vem à cabeça dos que nada têm a ver com esse mundo? Alguém de bata branca, de cabelo revolto, num laboratório esconso rodeado de centenas de papéis, tubos de ensaio, pipetas, provetas e balões de vidro cheios de líquidos de cores estranhas e fumegantes, que a qualquer momento pode gritar ‘eureka’. Andamos a ver filmes a mais, não é? Quando fomos ter com Adelaide Fernandes, professora do departamento de Bioquímica e Biologia Humana da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e investigadora do Instituto de Investigação do Medicamento, ela deu-nos uma versão bem menos cinematográfica mas não menos interessante da vida de uma cientista.

NO MUNDO DO ‘COMO E PORQUÊ’
Adelaide Fernandes nasceu em Lisboa, em 1978, e cresceu em Cascais. Sempre foi uma criança curiosa, mas o ‘chamamento’ para as ciências aconteceu quando estava no 9.º ano e assistiu à dissecação de um coelho numa aula. Nunca mais conseguiu comer coelho, mas ficou fascinada com o mundo do ‘como e porquê’. Prosseguiu os seus estudos na via científica e quando chegou a hora de escolher o curso superior não houve hesitações: Ciências Farmacêuticas. Logo no 2.º ano começou a trabalhar num grupo de investigação e no final do curso obteve uma bolsa na área das neurociências. “Nessa altura, comecei por investigar a icterícia nos bebés e, mais tarde, no pós-doutoramento, vim parar à Esclerose Múltipla (EM). E como a vida é feita de coincidências, nessa altura, uma grande amiga e um primo foram diagnosticados com EM. Foi como um sinal de que aquele era o seu caminho.

ABRIR HORIZONTES
Para quem estuda ciência, ir para o estrangeiro é quase obrigatório e a oportunidade também bateu à porta de Adelaide, quando estava a fazer o seu pós-doutoramento. O destino escolhido foi a universidade do Minnesota, nos Estados Unidos, e embora estivesse muito entusiasmada com a perspetiva de ali ir aprender ainda mais, aterrar com uns inóspitos 23 graus negativos não foi a melhor das boas-vindas. Valeu-lhe a companhia do marido que também tinha sido convidado para investigar naquela instituição de ensino mas num departamento diferente e a vida fervilhante no campus. “Foi extraordinário. Os meus horizontes abriram-se completamente, todas as semanas tínhamos reuniões com pessoas que nos vinham falar do que estava em voga, das últimas descobertas. Foi ali que aprendi alguns dos métodos de trabalho inovadores que ainda hoje aplico.”

POR TRÁS DE UMA GRANDE MULHER…
Numa altura em que se fala tanto de igualdade de oportunidades, era óbvio que tínhamos de perguntar se o mundo da ciência e investigação em Portugal era hostil às mulheres. “Aqui, em Portugal, posso dizer que é woman friendly, aliás, a maior parte das pessoas que nos vêm bater à porta de outros institutos e laboratórios são mulheres. Ainda que os cargos mais de topo sejam ocupados por homens, começamos já a ver que há cada vez mais mulheres a subirem na carreira.” Quem quer seguir investigação sabe que não vai cumprir horários das 9h às 5h. Adelaide confessa que antes de ter filhos o seu dia de trabalho começava às 7h-8h da manhã e terminava no mínimo 12-14h depois, mas a maternidade veio revolucionar-lhe a vida e o seu horário de saída, como o de muitas mães, passou a ser às 18h, com algumas exceções. Para que estas exceções aconteçam, Adelaide conta com o apoio incondicional do marido, também ele a trabalhar na área das ciências farmacêuticas. A investigadora portuguesa diz que tem sorte em ter alguém a seu lado que percebe a vida que leva, “o meu marido foi investigador, sabe a vida que temos, mas foi para a indústria farmacêutica porque ser cientista implica muita instabilidade no trabalho. Ele percebe que às vezes tenho de ficar mais horas a escrever relatórios, a delinear projetos para conseguir financiamentos”.
E essa é a parte mais dura da vida de um cientista: conseguir dinheiro para investigação. “Vivemos sempre numa grande incerteza, porque podemos ter um apoio de 200 mil euros para 3 anos, e depois? E estamos a falar de 200 mil euros para uma equipa”, em que além de salários tem de se gastar dinheiro em coisas tão básicas para a investigação na área das ciências da saúde como reagentes e culturas. Para não ficar refém de financiamentos que podem nunca chegar, quando surgiu a oportunidade de se candidatar a professora auxiliar na Faculdade de Farmácia, Adelaide concorreu à vaga e conseguiu o cargo, que a fez apaixonar-se pelo ensino. “Se me perguntasse o que seria se não fosse investigadora ou professora, não lhe saberia responder. São duas profissões que se completam bastante: o meu lado de investigadora ganha com o facto de ser professora, e vice-versa. Como cientista, dou aos meus alunos as últimas novidades do que se vai fazendo cá dentro e lá fora, e como professora por vezes as questões que alguns me colocam fazem-me pensar de outra maneira, e isso é ótimo.”

“VEJO SEMPRE O COPO MEIO CHEIO”
Otimista por natureza, diz-nos que uma das características fundamentais a um cientista é saber lidar com a frustração no dia a dia. Um resultado mau não é necessariamente um mau resultado, pode ser o caminho para outra pesquisa ainda mais interessante. “Sou uma pessoa muito positiva, não sofro por antecipação. Muitas vezes chegamos a meio caminho e os estudos não dão o resultado que estávamos à espera, mas o que eu penso logo é ‘porque não funcionou?’. ‘Vamos pensar de outra forma!’. Estou sempre a dizer aos meus alunos e aos meus filhos que desistir não é opção, temos de dar a volta se esbarrarmos com um problema.
Dá-me pica tentar uma técnica nova, uma nova metodologia, uma nova abordagem, e essa capacidade de perseverança, tal como a curiosidade pela razão que as coisas acontecem, são duas características fundamentais a quem quer enveredar por esta profissão.”

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