João Lemos

A última vez que vi Marta Videira foi há 10 anos, numa clínica veterinária em Lisboa. Lembro-me bem dessa ocasião porque foram suas as palavras que me confortaram num momento muito difícil, estava a despedir-me de uma gatinha com cancro que tinha feito parte da minha vida durante doze anos. Portanto, quando soube, em 2013, que tinha assumido a direção clínica da Casa dos Animais em Lisboa, fiquei supercontente pois sabia que era a pessoa certa para o cargo. Para quem não conhece, a Casa dos Animais, que fica em Monsanto, é o centro de recolha dos animais – canil e gatil – que pertence à Câmara Municipal de Lisboa. É, no fundo, o local que tem por missão fazer a recolha, o alojamento, os tratamentos e a preparação de animais, que foram abandonados ou não têm dono, para adoção. Infelizmente, todos os anos são abandonados milhares de animais, como se de uma t-shirt velha e esburacada se tratasse. Apesar de termos evoluído muito, há comportamentos incompreensíveis e desumanos que ainda se mantêm. “Nós temos entradas diárias de animais, mas infelizmente não temos saídas diárias. Ainda ontem deixaram à porta uma cadelinha amorosa presa por uma trela. Isto é constante, e é muito difícil arranjar espaço para todos. Números exatos dos animais que temos aqui não sei, muda diariamente, mas cães, o normal é termos entre 150-170. Gatos é mais flutuante, de maio a outubro é normal termos 130-150, sem contar com os 80 gatos das nossas colónias que estão lá fora, todos esterilizados. Nos últimos anos houve uma grande evolução na forma como se vê um animal, não como um objeto, mas como um ser senciente, com estatuto jurídico, e todas essas mudanças também se refletiram na legislação – hoje já não é permitido que os canis e gatis abatam animais como forma de controlo populacional – e na sociedade, temos mais pessoas preocupadas com a causa animal, mas ainda há um longo caminho a percorrer.”

De coração cheio

Antes de aceitar o cargo como diretora clínica na Casa dos Animais de Lisboa, Marta tinha já 15 anos de prática no setor privado, “em que as pessoas nos procuram com o seu animal, de uma forma geral, muito bem tratado, quase como um filho, para usarmos os melhores recursos disponíveis para melhorar a sua saúde. E depois vim para aqui, para uma área completamente oposta, em que o animal não tem ninguém e conta só connosco para o melhorarmos. É muito trabalhoso, mas extremamente gratificante, não trocaria. Os animais mais desfavorecidos, os que não têm ninguém, tornaram-se a minha paixão. Não há nada melhor que sermos recebidos todos os dias com esta alegria”, diz-nos apontando para Riza e Caramelo, dois cães que tiraram a foto com a veterinária e andam com Marta para todo o lado. “Estes dois estão sempre aos meus pés, são mais meus que os lá de casa. Riza foi recolhida da rua com a ninhada, foi ela que nos escolheu, abria as portas e vinha ter connosco. O Caramelo está cá desde 2014, foi recolhido gravemente acidentado. Conseguir reabilitar um animal que nos chega em situação limite, conseguir pô-lo bem de saúde, física e psicologicamente, colocá-los para adoção e depois receber fotos e vídeos dos adotantes a mostrar como eles estão felizes, na praia, no sofá, é tão compensador! Até nos vêm lágrimas aos olhos porque sabemos que aqueles animais passaram por tanto até chegarem a nós. Fazemos o melhor possível por eles, mas não deixamos de ser um canil, é um sítio de densidade, não conseguimos canalizar o nível de afeto que precisam, e alguns passam aqui anos! Mas é uma área psicologicamente muito dura e emocionalmente muito exigente, pesada, porque somos confrontados quase diariamente com situações graves do ponto de vista social, o animal que entra no canil tem quase sempre associada uma história muito triste.”

“Todos os dias há situações que me chocam, se isso deixar de acontecer é porque não estou a fazer bem o meu papel, que é de mudar, melhorar.”

Os piores dias

Há situações difíceis e há as que são devastadoras, “quando são descobertos acumuladores. Uma coisa é um senhor que faleceu e tem um cão em casa, outra coisa é alguém que foi internado num lar e tem 33 gatos em casa ou, como aconteceu há pouco tempo, quem tem 17 cães e 15 gatos em duas assoalhadas. De repente, temos de alojar todos aqueles animais que normalmente vêm com problemas comportamentais, muito ansiosos, e temos de os reabilitar física e psicologicamente, esterilizar de forma maciça porque as fêmeas vêm quase todas gestantes. É um sufoco, esses dias são mesmo muito dramáticos”.

Nunca desligar

Sendo um trabalho tão absorvente e sem horário fixo, a veterinária confessa que o problema é desligar, mesmo depois de ir para casa há sempre emails a responder, decisões que têm de ser tomadas a desoras porque a Casa dos Animais de Lisboa está aberta 24h/7. “Às vezes temos situações urgentes de madrugada com animais acidentados e temos de vir para cá. É difícil equilibrar, é preciso ter estrutura mas eu acho que tenho essa estrutura. Paga-se um preço e eu aceito esse preço porque tem as suas compensações, que não são financeiras obviamente, mas há outras coisas que ganhei, como esta companhia [aponta para Riza e Caramelo e ri-se], ver animais a recuperar que estavam muito mal, trabalhar neste sítio no meio de tanto arvoredo, com trabalhadores dedicados e voluntários incansáveis.” Entretanto, passa por nós uma das filhas de Marta a passear a cadelinha abandonada no dia anterior. Seguirá ela os passos da mãe? “As minhas filhas adoram animais, gostam muito de cá vir e trabalham bastante, dão banho aos cães, passeiam-nos, mas acho que não querem ser veterinárias. São muito novas mas já não têm a visão romântica que muitas crianças têm deste trabalho, elas conhecem a realidade.” Nessa realidade estão os animais que vivem até ao fim da vida em abrigos, que não se consegue recuperar, física ou psicologicamente. “Os cães, mesmo que venham muito debilitados psicologicamente, conseguem criar uma ligação com os tratadores ou voluntários, voltam a ter alguma esperança, digamos assim, agora há gatos, uma minoria é certo, que morrem de desgosto. Gatos de casa, muito acarinhados, que entram num mecanismo de tristeza, anorexia, e mesmo com festinhas, colo, estimulação de apetite, soro, alimentação forçada, deixam-se ir, desistem, e é duríssimo para todos porque tentamos de tudo.”

“Reabilitar um animal física e psicologicamente e depois conseguir que ele seja adotado e ver fotos dele feliz é muito compensador!”

Um membro da família

Na Casa dos Animais, o período da pandemia, sobretudo em 2020, foi favorável à adoção de animais, “muitas pessoas tinham o projeto de adotar e como houve um abrandamento da vida, concretizaram-no e foram adoções que correram bem. Agora voltamos a ter quem, por agravamento de condições financeiras, está a dispensá-los. Eu gostava que essas pessoas não se precipitassem, que soubessem que podem pedir ajuda, com a alimentação por exemplo. Quando pensarem em adotar um animal, essa decisão tem de ser bem ponderada, gostava que o vissem como um membro da família com todas as exigências que isso tem, o seu espaço em casa, as despesas, mas também pensem nas imensas vantagens que é ter um canal de amor e carinho sem fim. A vida às vezes prega-nos partidas, mas não se precipitem a entregar o animal. Deem tempo para se encontrar a melhor solução para todos. As consequências do abandono são muito difíceis, voltar a estabelecer os canais de confiança é um trabalho árduo, e temos muito poucos recursos. E quem adotar um animal de um canil, que tem um histórico que sabe Deus o que ele passou, tem de ter paciência e dedicação para dar tempo de adaptação, porque eles adaptam-se sempre, mas depende de nós darmos essa abertura”.

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