Recentemente algumas declarações da médica ginecologista e obstetra Maria do Céu Santo, durante um debate no programa Expresso da Meia Noite, da SIC Notícias, tornaram-se muito populares nas redes sociais. Grávidas, mães e profissionais da área da saúde, como doulas, fisioterapeutas, enfermeiras e até médicas, mostraram indignação pelas falas da médica, que no debate sobre a crise nas urgências do Sistema Nacional de Saúde, desvalorizou a importância do Plano de Parto. “Estão descrentes do médico ou do plano e chegam ao hospital com um plano para o parto! Isto é como eu chegar a um avião e dizer ao piloto: “O senhor tem aqui o plano para executar o voo”. É o que as pessoas fazem. Os médicos estão pressionados pelo número de partos que estão para fazer, pelo horário e, além disso, pressionados porque está sempre a perguntar à grávida se pode fazer aquilo.”

O Observatório de Violência Obstétrica de Portugal (OVO PT) foi uma das primeiras organizações a manifestar repúdio pelo que foi dito no programa, através de um comunicado publicado no sábado, 18 de junho. “Maria do Céu Santo ridiculariza, em televisão nacional, sem qualquer pudor e consciente da visibilidade das suas declarações, as mulheres grávidas e parturientes, declarando-as inaptas de participarem plenamente em todas as fases dos respetivos processos reprodutivos e afirmando que realiza intervenções em desrespeito da mais recente evidência científica“, diz um trecho do texto partilhado. Mas afinal, o que é um Plano de Parto e porque não pode ser comparado a um Plano de Voo?

Plano de Parto

“O plano de parto é um documento redigido pela mulher grávida com as suas preferências e escolhas para o momento do parto. Sendo o parto um evento com a sua dose de imprevisibilidade, há sempre aspectos que a mulher pode definir de antemão, como por exemplo a pessoa que a acompanhará, as posições que deseja assumir durante o trabalho de parto, os métodos de alívio de dor que pretende utilizar, entre outros”, explica a médica e fundadora do projeto NA Saúde, Maria Nunes de Abreu.

O documento é recomendado pela Organização Mundial da Saúde desde a década de 1990, com o objetivo de estimular um parto mais natural e sem intervenções de rotina desnecessárias. Para a médica obstetra Mariana Torres, há inúmeras vantagens na sua elaboração. “Primeiro, por levar a grávida a procurar informação sobre gravidez e parto, permitindo um conhecimento maior sobre o que é normal acontecer e quais as intervenções que mais frequentemente são necessárias. Sabemos que um dos fatores que influencia a satisfação no parto é a gestão de expectativas e esse caminho de construção do plano de parto, incluindo preferências caso surjam complicações e o plano A tenha que ser diferente do planeado.” Entretanto, a obstetra destaca também a função do plano de parto na individualização dos cuidados de saúde: “É uma ferramenta importante para, rapidamente, a equipa que vai acompanhar esse parto conhecer melhor aquela grávida e adequar as práticas às suas expectativas e forma de viver a vida. Mesmo seguindo as recomendações de boas práticas, existem vários caminhos que podem ser percorridos em segurança.”

A lei portuguesa assegura a elaboração de um Plano de Nascimento durante o pré-natal, especificamente no curso de preparação para o parto oferecido pelo SNS: “No âmbito dos cursos, deve ainda proceder-se à preparação e apoio da mulher grávida ou do casal para a elaboração do plano de nascimento, preferencialmente até às 32 semanas de gestação”, diz o número 3 do Artigo 15.º-D da Lei n.º 110/2019. A mesma lei também garante que “a vontade manifestada por parte da mulher grávida ou do casal no plano de nascimento deve ser respeitada, salvo em situações clínicas que o desaconselhem, tendo em vista preservar a segurança da mãe, do feto ou do recém-nascido, as quais devem ser sempre comunicadas à grávida ou ao casal, estando condicionada aos recursos logísticos e humanos disponíveis no momento do parto.”

O Plano de Parto também está incluído no Guia para Grávidas do SNS como uma “ferramenta valiosa para os profissionais de saúde, pois facilita a assistência individualizada e o envolvimento do acompanhante nos cuidados”.

Quando elaborar um Plano de Parto?

De maneira geral o plano de parto pode ser elaborado ao longo de toda a gestação, mas como explica a obstetra Mariana Torres, “a maioria das grávidas desperta para esse assunto no início do 3º trimestre de gravidez.” O documento deve ser construído essencialmente pela grávida e o seu acompanhante. A médica Maria Nunes Abreu recomenda ainda que seja elaborado com as orientações de profissonais de saúde que acompanhem a grávida. “Ajudarão a esclarecer dúvidas sobre procedimentos, ou ainda contar com o apoio de uma Doula para discernir sobre os seus desejos e necessidades”, explica.

Antes de finalizar o documento, também vale apresentar o plano de parto à equipa de vigilância da gravidez e à equipa que vai acompanhar o parto, “para ajustar o plano à situação clínica da grávida e bebé”, recomenda a obstetra Mariana Torres.

O que incluir num Plano de Parto?

Há quem prefira recorrer a modelos prontos de planos de parto, e atualmente há alguns disponíveis online. A Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto tem um modelo, assim como o projeto Plano de Parto, que disponibiliza um formulário a ser preenchido online. A DGS também disponibiliza modelos de planos de nascimento nas orientações para os Cursos de Preparação para o Parto e a Parentalidade.

Entretanto, a obstetra Mariana Torres acredita que o documento deve começar sem limitações. “Na minha perspectiva, o plano de parto começa com uma folha em branco e a grávida coloca nela o que é importante para si, o que gostaria que os profissionais que a vão acompanhar soubessem sobre si, sobre o seu bebé e sobre as suas preferências para o parto. Cada grávida saberá o que realmente é importante para si.”

Poderá incluir no plano de parto aspectos relacionados ao ambiente no momento do parto, por exemplo. Privacidade, pouca luz, música trazida pela parturiente, são algumas das preferências que podem estar no documento. Assim como solicitar a liberdade de movimentos durante o trabalho de parto, ou o contacto pele a pele com o bebé imediatamente após o nascimento.

Outro ponto importante de incluir no plano de parto está relacionado com os métodos de gestão e alívio da dor, sejam eles farmacológicos ou não. A médica Maria Nunes de Abreu recomenda adicionar por exemplo se quer recorrer a analgesia epidural e se gostaria de tentar outros métodos de alívio de dor, como a duche ou exercícios na bola de pilates. “Não sendo uma lista de regras, mas sim uma declaração de preferências, o plano de parto é um elemento crucial para promover a autonomia da mulher como utente dos serviços de saúde, já que a Organização Mundial de Saúde refere que um dos factores mais importante para a sensação de uma experiência de parto positiva é a mulher sentir-se informada e partícipe nas tomadas de decisão, independentemente da necessidade ou não de intervenção médica.”


Consentimento informado

Conforme já explicou a médica Maria Nunes de Abreu, uma das funções do plano de parto para além de exprimir as suas preferências como parturiente, é deixar claro se deseja ser informada sobre os procedimentos e intervenções realizados durante o parto. O consentimento informado está incluído no modelo de plano de nascimento apresentado pela DGS, quando a mulher ou o casal pretende “ser informada/o, a par e passo, da evolução do trabalho de parto e participar nas decisões acerca do mesmo, depois de conhecer as alternativas possíveis”.

Ou seja, mesmo que as preferências contidas no plano de parto não sejam possíveis, devido à situação clínica do bebé ou da mulher, ou do hospital, qualquer intervenção deve ser informada e consentida pela parturiente, se esta assim o desejar. “Na realização deste plano é importante perceber que o parto pode ser imprevisível, e que podem ser necessárias intervenções urgentes (como por exemplo a realização duma cesariana) mas não por isso deixa de ser possível a mulher sentir-se envolvida em todo o processo”, explica Maria Nunes de Abreu. A obstetra Mariana Torres concorda: “Nada pode ser feito em medicina sem o consentimento do doente. Ainda que existam situações em que esse consentimento possa ser presumido, não são frequentes. Assim, a recusa informada da grávida deve ser respeitada, qualquer que seja a intervenção em causa, garantindo que ela compreende as possíveis consequências dessa recusa. Compreendo que surja o receio de intervenções importantes serem recusadas sem noção das consequências. Sobre isso o que posso dizer é que, na minha experiência, as grávidas não recusam procedimentos essenciais para a sua saúde ou do seu bebé”.

Plano de parto é igual a Plano de Voo?

Apesar de o Plano de Parto ser recomendado pela OMS há mais de 30 anos, nem todas as mulheres tinham acesso a informação. Muitas mulheres nunca souberam que tinham voz no momento do seu próprio parto. E por isso, viveram experiências traumáticas e passaram por procedimentos invasivos, que já são desaconselhados pelos órgãos de saúde. Para a médica Maria Nunes de Abreu, este cenário mudou também graças a ferramentas como as redes sociais. “Oferecem muitas vantagens, sobretudo em temas como estes da maternidade, em que a parte emocional tem muito peso, e é muito importante o sentir-se parte de uma comunidade e a identificação com as pessoas que comunicam connosco.”

Entretanto, Maria faz uma ressalva: “É importante distinguir entre aquilo que são opiniões e experiências pessoais e aquilo que é informação baseada em estudos científicos. Ambas são fontes úteis, é importante saber que não somos as únicas a sentir-nos de determinada maneira no mundo da parentalidade, pode ser muito apaziguante perceber que há mais mulheres e mães com problemas e dúvidas iguais a nós. Mas a verdade é que as redes sociais, por si só, na minha opinião, não se podem considerar local de aprendizagem.”

Neste sentido entra a necessidade de outros recursos mais confiáveis como os cursos de preparação para o parto, o atendimento de doulas e os serviços de fisioterapia pélvica, além de, claro, tirar todas as dúvidas existentes com os profissionais de saúde que acompanham a gestação, seja um médico de família, enfermeiro ou obstetra.

Estando a grávida informada, o plano de parto é redigido sem expectativas irreais e levando em conta possíveis imprevistos. E ainda assim, “não é um texto escrito na pedra que deve ser seguido cegamente”, como conclui a obstetra Mariana Torres. “Detectando alguma situação em que seja vantajoso para a grávida ou para o bebé realizar um procedimento que não fazia parte das preferências iniciais da grávida, quem está a acompanhar o parto deve conversar com a grávida, explicar a situação e propor uma conduta, suas vantagens, desvantagens e o que acontece se nada for feito. E, caso a grávida consinta, avançar para esse caminho que não estava contemplado inicialmente no plano de parto.”

Os hospitais públicos estão, sem dúvidas, cada dia sob mais pressão, mas é importante lembrar que o plano de parto não vem para pressionar ainda mais os profissionais que ali trabalham. É um documento que tem como objetivo ajudar na experiência do parto, tanto para a equipa médica quanto para a mulher, um direito garantido pela lei portuguesa e recomendado pelos órgãos de saúde internacionais. E que, como relata a médica Maria Nunes de Abreu, tem espaço no Sistema Nacional de Saúde: “Eu sou optimista e considero que há muitas histórias boas que não saem à luz do dia, além disso observo diariamente no meu trabalho no SNS profissionais de saúde dedicados aos seus doentes, por isso quero acreditar que na maioria dos hospitais as grávidas são bem recebidas e os seus planos de parto são acolhidos dentro das possibilidades de cada serviço.”

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