Foto: Pexels by Kha Ruxury

Quando chega o Natal, chega também uma certa magia e um sentimento generalizado de felicidade. Mas, e quando não é assim? E quando esta época representa peso emocional, dor, saudade e uma sensação de assombro e de vazio – mesmo quando se está acompanhado?

São muitas as casas onde o Natal não é vivido com a magia a ele associado. Os motivos podem ser vários – a perda de alguém, as dores latentes devido a uma dinâmica familiar disfuncional -, mas os resultados são sempre os mesmos: fragilidade emocional, ansiedade, sinais de depressão… Patrícia Ruivo, psicóloga clínica especializada em processos de perda e de luto, falou com a ACTIVA online sobre este tema e partilhou formas de se lidar da melhor maneira com este momento.

Patrícia Ruivo, psicóloga clínica especializada em processos de perda e de luto

Há uma crónica de José Luís Peixoto que começa assim: “na hora de pôr a mesa, éramos cinco” e explora a forma como as famílias vão mudando e a finitude de quem amamos. O Natal traz, inevitavelmente, à tona a tristeza dessas mudanças e ausências?

As famílias são organismos vivos, feitas de gente viva e de gente morta. As mudanças são premissa e condição das famílias – as famílias aumentam e diminuem, rejuvenescem e envelhecem, zangam-se e fundem-se. As famílias transformam-se, mas não se extinguem.

Inspirada nesse texto de José Luís Peixoto, costumo dizer que uma família é como uma pizza: não preciso de ver a pizza inteira, para sabê-la pizza, uma fatia basta. Ninguém deixa de ser pizza na ausência de outras fatias – ninguém deixa de ser filha, de ter mãe. A mesa de Natal apenas nos possibilita um olhar atento sobre as reinvenções da nossa família a cada ano, expondo o que nos dói e o que nos acalenta.

Como é que se pode lidar com isso, numa época tão marcadamente familiar?

Dando-nos permissão para sentir as emoções mais difíceis que forem surgindo na antecipação do e no Natal, mas também permissão para celebrá-lo. Deixarmo-nos navegar pelas emoções é essencial. Existirão dias ou momentos desafiantes, claro. Permitamo-nos atravessá-los e sobreviver-lhes.

Depois da morte de alguém que amamos, muitas vezes tendemos a negar a vida, precisaremos aprender a reconectarmo-nos de novo com ela. Reconstruindo-nos, reconectando-nos com a pessoa que nos morreu e encontrando significados para a nossa vivência após a perda.

O Natal pode ser uma época onde só vemos a ausência ou onde podemos incluir a presença de quem já não podemos abraçar. O Natal surge como uma possibilidade de celebrar quem nos morreu, de resgatar as receitas de família, de evocar as nossas memórias prediletas com os nossos mortos, de manter tradições, de escutarmos as músicas que entoamos juntos ou assistirmos os filmes que vimos em conjunto.

A mesa de Natal apenas nos possibilita um olhar atento sobre as reinvenções da nossa família a cada ano, expondo o que nos dói e o que nos acalenta.

Fala-se muito da magia do Natal, da felicidade que esta quadra acarreta. Não deveríamos também normalizar que não tem que ser assim para todos?

Totalmente. Para as pessoas que perderam alguém recentemente e se encontram ainda numa vivência aguda do seu luto, ou para as pessoas cujo luto está adoecido, a quadra natalícia é um terreno minado: tudo fere. Nos primeiros casos, não é raro as famílias cancelarem o Natal, decidirem um Natal em modo serviços mínimos, optarem por viajar com a família na quadra, descaracterizarem o Natal de todas as tradições para não lembrar os anteriores ou assumirem o Natal tradicional, mas senti-lo morno. É esperado que o façam e sintam.

Mas nos segundos casos, a intervenção especializada no luto é recomendada. Numa vivência sadia, o Natal, tal como outras épocas significativas para a família, será agridoce, não só triste, cruel e amargo. O luto é uma expressão de amor: precisamos aprender a escutar e a cuidar desse amor. Sobretudo, quando ele adoece.

Com todas as expetativas que se criam à volta desta época, é mais fácil sentirmos a pressão de que tudo tem que ser perfeito, apesar de sabermos que não existe a perfeição?

Diria que se é importante para algumas famílias o perpetuar das tradições, também é importante termos a flexibilidade de inaugurar novas e de adaptarmos o Natal ao que está a acontecer à família. Se o entendermos, percebemos que ninguém vai estragar o Natal porque não existe um Natal. Existe aquele que cada pessoa e família precisar ter a cada ano. Inclusive, o não-Natal.

O perfeito e a positividade podem ser substituídos pelo possível e pela validação. Aceitar, acolher e naturalizar as emoções que surgirem, entender que cada pessoa à mesa serão três – a pessoa, o seu luto e a pessoa que lhe morreu -, respeitar a singularidade de cada vivência e relação é o mais apropriado.

Se o entendermos, percebemos que ninguém vai estragar o Natal porque não existe um Natal. Existe aquele que cada pessoa e família precisar ter a cada ano. Inclusive, o não-Natal.

Há casos em que as reuniões familiares não são leveza, nem alegria. São, talvez, críticas, mágoas mal resolvidas e não faladas… Quando assim é, o que devemos fazer para nos protegermos?

Questionarmo-nos com honestidade se esse será o nosso melhor lugar para festejar o Natal. Se não for, em primeiro lugar, considerar não lhe pertencer.

Ao participar de uma reunião familiar assim, praticar a assertividade e a comunicação não-violenta será uma mais-valia. Em acrescento, lembrar-me que não preciso envolver-me em todas as conversas, falar sobre o que não quero, trazer as mágoas para cima da mesa; por último, buscar focar e estar mais próxima de quem me faz sentir bem.

Estratégias para que quem se sente mais sensível ou emocionalmente vulnerável possa viver esta quadra da melhor maneira.

Antecipar o que nos será desafio e respeitar os nossos limites, acolhendo-nos e protegendo-nos. Não sejam as decorações, os presentes, o cozinhar a ceia, os jantares de amigos secretos, os mercadinhos de natal, os filmes de natal e os postais obrigatórios.

E não problematizar: é natural que não tenhamos muito apetite, energia ou vontade de conversar. Por mais que tenhamos vontade de estar com a família, podemos não querer assistir a filmes de natal ou ser foliões. Substituamos esses filmes por outros e animação por jogos de tabuleiro mais calmos, por exemplo.

É proibido censurar as emoções e fazer do luto tabu. Por isso, quer seja a pessoa enlutada ou a pessoa amiga: tenha a disponibilidade para perguntar o que a pessoa enlutada precisa, respeitar as suas necessidades sejam elas de companhia ou solidão, para a escutar e confortar. Esse é o melhor presente de Natal que lhe poderá oferecer.

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